Um dia destes deixo os meus filhos no metro… – Sandra Castro

Não, não estou a brincar! Não, não é o cansaço a falar mais alto! Afirmo com toda a minha convicção de mãe: Um dia destes deixo os meus filhos no metro!

Podem ir a correr ligar para a assistente social, para a instituição mais próxima, podem ligar para os meus pais, para o presidente da República ou até mesmo uma chamadinha para o Papa, estou completamente nas tintas! Quero ver o Papa a aturar duas crianças chatas como as minhas, ele fugia a sete pés na primeira meia hora!

Não é qualquer um que consegue cumprir uma tarefa tão árdua como a de educar duas pestes! São necessárias qualidades como a paciência extrema, voz firme e convincente e algum bom senso, qualidades essas que já não disponho há muito tempo.

Já os ameacei! Não se espantem leitores! Chamem- me mãe cruel, não quero saber! Já os ameacei a alto e bom som que, da próxima vez que entrar no metro apinhado de gente, cansadissima do trabalho, stressada por ir a correr fazer o jantar, e o mais velho começar a rodopiar no meio dos bancos, o mais novo a armar um berreiro porque quer ir de pé, e eu a exigir que eles se sentem e que não me chateiem, e todos os passageiros a olharem para mim de cima a baixo, garanto que vos deixo no metro sem dó nem piedade. Saio na próxima estação e vou feliz da vida para casa!

Já começo a imaginar que belo dia vai ser. Vou para casa, tomo um belo banho, sem interrupções do género: Estou a ouvir o teu irmão chorar, c…! Que se passa? Já se pegaram? F…nem posso tomar um duche sossegada! Nem faço jantar, não sujo panelas nem pratos, que maravilha! Alapo-me no sofá a ver um filme com um iogurte e umas bolachas, ia ser o paraíso na terra! Sem mudanças de canal para o Panda nos intervalos, sem ter de mudar fraldas e apanhar os brinquedos na hora da novela! Ah ah ah ah…até ia rir sozinha de tanto entusiasmo. Sem pensar que está na hora dos fedelhos irem para a cama, e adormece-los, aquecer o leite, ler uma historia de embalar, preparar roupas para o dia seguinte, etc, etc, etc. Ia ser a melhor noite da minha vida!

Claro que os miúdos ficaram melindrados com a minha ameaça, e agora têm medo de ir com a mãe à rua! Têm medo dos elevadores,  do metro, do autocarro, que os deixe nas escolas de manhã e nunca mais os vá buscar. Até a peste mais velha se agarra a mim a implorar para não os abandonar no metro, diz que me ama, que sou a melhor mãe do mundo, que se vai portar sempre bem a partir daquele momento e bla bla bla. Paciência meus caros!  Podem ter medo à vontadinha que eu estou a borrifar-me! Desde que se portem decentemente, para eu não parecer uma mãe neurótica no meio da rua, a correr de tamancos atrás da peste mais nova, e a gritar para a peste mais velha parar com os sons que emite, por mim óptimo!

Já chega de paredes riscadas, moveis riscados ( nem a televisão escapou), brinquedos espalhados por todo o lado, migalhas em todos os tapetes, roupas fora do sitio, ordens como vai lavar os dentes, porra! a não serem imediatamente cumpridas. Refeições stressantes com carne esfiapada no chão, arroz nos cabelos e sopa na roupa, um berro para um comer e para o outro parar de comer. Dormir 5 horas por dia e ainda por cima, acordar a meio da noite porque um quer fazer chichi e o outro quer leitinho com mel. F…! Os limites de stress legais de uma mãe já foram sobejamente ultrapassados na minha casa! Além de tudo isto, ainda se portam estupidamente mal na rua? Nem pensar! Não vou tolerar mais essa merda!

Portanto, se por acaso, um dia destes,quem sabe brevemente, virem no metro uma gaja descabelada, com olheiras, fronha de mal disposta, a bufar de stress e a repetir demasiadas vezes: Parem quietos! Parem quietos! Parem quietos! Não precisam de chamar a policia, nem o INEM,  nem a camisa de forças do manicómio, sou apenas eu, Sandra Castro, em mais um dia rotineiro da minha intensa vida de mãe!

 

Crónica de Sandra Castro
Ashram Portuense