Um governo desgovernado – Nuno Araújo

Nunca se viu um governo de coligação tão desligado entre si, como este executivo PSD-CDS que está no poder. Nunca se viu tamanha encenação política por parte de um ministro, neste caso Paulo Portas, somente para obter dividendos políticos numa saída airosa do governo e, consequente, dissolução do executivo.

Um governo como este só tem uma porta para abrir: a porta da saída.

O país não precisa de um presidente da República que invoca santos, enquanto se verifica que estamos perante a pior recessão de sempre (3,9 % de queda do PIB, só no primeiro trimestre). O país não lucra nada ao ser liderado por ministros que servem os interesses da Troika e que desmantelam o estado. O país não precisa de uma política para a educação que “parte ao meio” tudo de bom que se fez até aqui (como as AEC, que asseguraram até ao momento a escola a tempo inteiro para pais e filhos) e que destruindo a escola pública, fomentará um ensino para ricos e outro para pobres.

Não, não queremos um país destes. Queremos um país que não deixe famílias e empresas falirem, queremos um estado que se responsabilize pelos seus e que crie condições para o crescimento económico sustentável: mais e melhor emprego, mais e melhor educação, mais e melhor saúde, protecção social garantida pelo estado sem recorrer a subterfúgios.

Que o estado precisa de reformas várias, precisa, e isso não é de olvidar; agora, há que estabelecer prioridades e, quando se abandonam as pessoas e se salvam bancos, já estamos no domínio do capitalismo selvagem, uma vez mais, que é algo que já deveria ter desaparecido dos manuais neoliberais.

Por tudo isto, um conselho de estado que é bom de acontecer, deixa muito a desejar quanto ao tema oficial a ser abordado, já que abordar o pós-troika (pós-Junho de 2014) significa abordar um país destruído, sem uma economia capaz de impulsionar o seu próprio crescimento; esse conselho de estado deveria abordar, isso sim, o momento actual, que contém angústia de mais de um milhão de portugueses desempregados, de mais de dois milhões de reformados fartos de cortes nas suas reformas e que ex-aequo com os funcionários públicos, foram tornados pelo governo como “os alvos de todo e qualquer saque” ao contribuinte. Que dirá Paulo Portas quando o governo tiver mesmo de impôr mais um corte às reformas de todos os reformados em Portugal?

Que limites haverão para esta panóplia de loucuras cometidas e idealizadas por este governo? Qual será a verdadeira “nova linha” ditada por Portas como intransponível?

O neoliberalismo não tem fronteiras. Porém, um país como o nosso com fronteiras definidas há mais de 800 anos já deveria ter um governo de esquerda, onde o socialismo democrático pudesse configurar uma nova esperança para o povo português. É isso que faz falta. E mais dinheiro, é claro.

UE em recessão

Os efeitos das políticas de austeridade já chegaram, finalmente, à Alemanha. Digo finalmente porque certamente que elas lá chegariam, mais dia, menos dia. A verdade é que um crescimento económico de 0,1% no primeiro trimestre deste ano é mais do que suficiente para se poder afirmar que a crise já chegou a terras de Merkel.

François Hollande sugeriu a criação de um governo económico para a UE, especificamente para a zona euro. Hollande, com tal intenção, aproveita a tão situação da “cadeira vazia” no poder do euro, abandonada estrategicamente por Angela Merkel, para se colocar na dianteira da política europeia. Mais: Hollande aproveita uma margem de manobra preciosa, por forma a tentar recuperar a popularidade obtida há cerca de um ano atrás, altura em que foi eleito para presidente da República de França.

França, que vive já em austeridade, também já está em recessão. E agora, François Hollande? Se um povo elege alguém por ser de esquerda, há que agir conforme, e não fazer “as vezes” da direita! A política da “cadeira vazia”, tendo agora fim, tem de dar lugar ao fim da austeridade, custe o que custar. Nem que para isso se desvalorize o euro, alterando legislação relativa ao papel do BCE; nem que para isso se imprima mais dinheiro! Senão, qual será um outro motivo pelo qual Hollande aceitou a criação de um governo económico na UE? Será só de dinheiro que se trata? Para se salvar o euro, tem de se dar passos consistentes em direcção a uma federalização da UE, nem que para isso se forme uma federação apenas composta pelos estados da zona euro.

Apesar de Merkel e a sua CDU terem todas as chances de vencer as eleições legislativas na Alemanha, mesmo com a união de SPD e Verdes, pois consegue liderar todas as sondagens com 5 pontos percentuais de avanço, não deve haver divisão entre norte e sul da Europa, pois essa é uma mera estratégia eurocéptica de implosão da UE. E isso, eu que sou português, cidadão europeu e europeísta convicto, não almejo para o meu país nem para a minha UE.

Perante uma Grécia que até viu a notação da sua dívida ser um pouco menos má; uma Espanha a braços com exigências da Comissão Europeia para mais austeridade; uma Irlanda que continua com uma taxa de desemprego colossal; um Chipre com uma recessão asfixiante; e uma Eslovénia com governo recém-empossado mas pertíssimo de um resgate financeiro; só há uma palavra a dizer para tudo isto: basta!

Basta de austeridade, pois claro! Deve-se inverter 180 graus o rumo das políticas europeias, e com essa inversão de rumo, a austeridade deve também abandonar o vocabulário financeiro e político da UE. E, com isso, devemos aguardar o regresso da política em detrimento destes excessos de economicismo!

 

Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana