Tempo para Estar.

Um passarinho contou-me….

Eduardo Galeano (1940-2015) afirmou:

Tempo para Estar.
Tempo para Estar.

“Os cientistas dizem que somos feitos de átomos, mas um passarinho contou-me que somos feitos de histórias”. Outrora, a transmissão oral foi o veículo principal do conhecimento e particularmente dos valores que nos tornam mais humanos. Nos dias de hoje, tudo vem por escrito. Deixámos de ter tempo para contar histórias. E para as ouvir. As narrações têm um carácter edificante – servem para ensinar os mais novos e relembrar os mais velhos. Assim, resolvi, e para começar, que a minha a singela contribuição fosse no sentido de contar histórias e unir pessoas. Contar histórias que tenham “um olho no microscópio e outro telescópio” conforme mencionado jocosamente por Galeano.

Dia 20 de Agosto de 2016, fim da tarde, Lisboa, espaço café da Fnac do Chiado: numa mesa estão quatro pessoas reunidas em amena conversa. Duas mulheres, dois homens. Uma mulher da Síria, um homem da Palestina; um outro do sul do Iraque e uma Portuguesa. Conversam numa língua portuguesa aprendida na emergência de estar fora de casa e num novo país de acolhimento; e quando as palavras falham, surgem então as correspondentes em inglês ou em árabe – para que o fio da conversa não se perca. Somos quatro seres humanos sentados a uma mesa falando de história e de cultura, bebendo café e gozando da paz e tranquilidade que Portugal oferece, sem estigmas de ódios ou fantasmas de guerra. Não sei o que é viver em cenário de guerra. Estou grata por nunca ter estado num palco de guerra e violência ao vivo. E fico genuinamente feliz por poder partilhar com outros seres humanos esta tranquilidade que o país oferece. Nas mesas contíguas há dois idosos portugueses que lêem o jornal e outras gentes que bebem café e lancham torradas com sumo de laranja.

E subitamente vem à mesa o tema das religiões. Isto não é um concurso para saber quem é o melhor, o número um, ou o pior, afirmo. Fala-se agora de budismo. Uso a complacência e o respeito pela vida que sustenta o budismo – confesso que o faço com alguma ingenuidade – e logo me são mostradas imagens – que estão online, porque os telemóveis e a tecnologia estão hoje à mão de semear, no bolso das calças ou sobre a mesa. Imagens de massacres a muçulmanos perpetuados por budistas em Myanmar. Não rara é a publicação de imagens geradoras de violência que são usadas como meio de propagar o ódio e gerar medos. Estas, como todas as imagens de violência, são cruéis e atrozes.

Segundo Bauman, a preocupação com a administração da vida parece distanciar o ser humano da reflexão. Por sua vez o medo, a institucionalização do medo parece ser o alimento para a subjugação do próprio ser humano, uma fortíssima estratégia de poder que não concebe a vida em sociedade sem este elemento virulento.

Zygmunt Bauman avisou-nos que as redes sociais são uma armadilha: o pensador e sociólogo polaco que deu corpo à modernidade líquida, teorizando sobre a liquidificação de tudo aquilo que julgámos sólido durante muitas gerações. Chamou-nos a atenção para a superficialidade das relações humanas onde o virtual deu lugar ao pessoal. As redes sociais servem também para veicular o medo e perpetuar muitas imagens de violência gratuita que alimentadas pela ignorância podem ser fatais.

Perante as imagens de violência que suporto com evidente constrangimento, falo agora de bom senso e de paz – apesar de ainda pensar que as religiões deste mundo vão acabar por nos matar a todos. E a única maneira que me ocorre de ilustrar que é possível acreditar no ser humano e na sua capacidade de tolerância, bom senso, empatia e solidariedade é explicar-lhes que Portugal é ainda um país de muita tranquilidade e que mesmo que alguns portugueses se mostrem xenófobos ou racistas, não resistem a dar uma indicação quando solicitados ou mesmo a pronunciar palavras – por vezes inexistentes – numa língua que não conhecem para ajudar um forasteiro. E relembro-lhes ainda que somos quatro, a uma mesa de café em Lisboa. E é possível aqui estar em ameno convívio, com objectivos e expectativas semelhantes. Uma Síria, um Iraquiano, um Palestino e uma Portuguesa.

Estamos em paz. E segurança.

E gostamos de assim estar. E continuar.