Podia:
falar-vos da simbologia de uma bandeira virada ao contrário;
da pose beatífica de quem já comentou a beleza do sorriso de uma vaca;
do. grande. aumento. de. impostos.
do. melhor. povo. do. mundo.
do racionamento recomendado por um “Conselho de Ética“.*
do “Ricardo que andava à procura da Diana”.*
Poder, podia, mas não me apetece.
Em vez disso contarei uma história que levará a uma teoria:
“Era uma vez um deus.
De nome Zeus.
Mulherengo e mal-humorado tinha a mania que mandava em tudo e todos.
Era A pessoa hierarquicamente superior de uma abastada família.
Extremamente poderosos e influentes viviam e conviviam num condomínio privado. Chiquérrimo. Exclusivo. Quentinho.
O Olimpo.
Prometeu, primo em quarto grau de Zeus*, criador dos homens (só de homens) e primeiro socialista conhecido*, cansado de uma vida de privilégios, partilhou o fogo com a “malta” que tinha criado.
Embora disso não tivessem consciência, esta “malta” (os homens), estavam pobremente alojados.
Num subúrbio “manhoso”.
A terra.
Sem luxos.
Sem requinte.
Com frio.
Prometeu lixou-se*, claro, porque Zeus não era gajo para se ficar.
Lixou-se ele e a classe (inferior) por si criada.
Patife refinado, Zeus decidiu oferecer um presente a tão pobre gente. (se vos soar a Camões, é propositado)
Ordenou aos seus filhos Hefesto e Atena que criassem um novo ser.
A outros membros da família obrigou-os a dotarem tal ser de qualidades espectaculares:
saber tecer;
dominar a arte de agradar aos homens;
falar sem gaguejar;
ser persuasivo;
ser jeitoso. (só para meter nojo)
Pandora, de seu nome.
Mulher, o seu género.
A perfeição.
Para a tornar (ainda) mais apetecível deu-lhe uma caixa* (muito engraçada, de marfim, toda trabalhada) e toca de a mandar, de férias, para a terra.
Quis o acaso que a primeira pessoa que Pandora encontrasse enquanto passeava fosse Epimeteu.
Epimeteu era irmão de Prometeu.
Um bocado parvo, diga-se.
Prometeu já o tinha proibido de brincar com qualquer coisa que por ali aparecesse sem saber qual a proveniência. Podia ser lixo e não podiam arriscar disseminar doenças e outros males naquele subúrbio que se tinha tornado tão agradável.
Só que, homem que é homem, não resiste a uma mulher.
Epimeteu não foi excepção.
Teimou, porque teimou, porque teimou, querer casar-se com Pandora. Sem querer saber de família, status ou condição sanitária.
Zeus foi convidado para padrinho.
E, com a sua bênção, realizou-se o casamento.
Prometeu ficou um bocado apreensivo com a cara com que Zeus ia fazendo os brindes.
Mas, a festa estava boa, o baile animado, e, ao fim da noite até ele já pensava onde poderia desencantar um ser tão queriducho como a sua cunhada.
Durante uns tempos a vida correu bem ao jovem casal.
Pandora:
dona de casa,
muito boa cozinheira.
excelente a lavar,
ainda melhor a engomar.
“Uma lady na mesa, uma louca na cama”*.
Um sonho.
Epimeteu, caixeiro viajante, (ou “comercial”, como queiram) passava muitos dias fora de casa.
Pandora aborrecia-se.
Sem televisão.
Sem filhos.
Sem amigas.
Sem cães ou gatos que a entretivessem.
Ia fazendo uns “sachets” para perfumar as gavetas.
E arrumava.
E limpava.
E fazia “sachets”.
E arrumava.
E limpava.
E fazia “sachets”.
Certo dia de Inverno, particularmente aborrecida, farta de limpar, de arrumar, de lavar, de engomar e de “sachets”, resolveu que ia tirar o dia para: ” uma limpeza de Primavera”.*
No sótão da casa, num canto escondida e esquecida, encontrou a bonita caixa que lhe tinha sido oferecida por Zeus.
Num impulso abriu-a.
Não é que dela saíram TODOS OS MALES DO MUNDO?
Uma sucessão de males. Terríveis. Insuportáveis. Impossíveis. *
Pandora nem sabia que tais coisas existiam.
Tentou e tentou fechar a caixa.
Não conseguiu.
Mandou-a ao chão numa tentativa desesperada para que se partisse e que “aquilo” acabasse.
N-A-D-A.
Quem veio em seu auxílio no momento crítico em que quase tinha desistido daquela luta desigual (mulher vs caixa vs males do mundo) foi Epimeteu.
Com a força de ambos conseguiram recolocar a tampa.
Sentaram-se sobre a caixa ainda a tremer.
Olharam um para o outro.
Pandora desgrenhada e cheia de lágrimas.
Epimeteu espantado com o burburinho de motins que já se ouvia na rua.
“ZEUS”!
Os dois em uníssono.
Bateram à porta.
Era Prometeu.
Parecia mais gordo porque tinha vestido camadas e camadas de roupa.
Botas nos pés.
Uma mala na mão.
Um saco ao pescoço.
Preparado para a fuga.*
Não sem antes gritar:
– “Epimeteu meu parvalhão, não te tinha avisado? não te disse para teres cuidado com o que brincavas, meu idiota? e tu Pandora, achas digno o que fizeste? TODOS OS MALES DO MUNDO espalhados por aí, sem controle, por tua culpa!!”
Epitemeu atreveu-se em defesa da mulher:
– “Prometeu, Prometeu, bolinha baixa que o guarda-redes é anão. A culpa não foi da minha mulher. Foi de Zeus, esse grande senhor.”*
Pandora, num fio de voz:
– ” Prometeu, meu querido cunhado, parece que a ESPERANÇA ainda LÁ ficou”.
– “Ó minha burra, o que é que não percebeste na frase*: TODOS .OS .MALES .DO. MUNDO?”
– “mas (argumentou ainda Pandora – pobrezita) A ESPERANÇA não é a última a morrer?”
– “Pois.”
Disse Prometeu desaparecendo dentro da multidão.”
Teoria
Na caixa estavam contidos todos os males do mundo, a esperança é, per se, um mal.
(ser aquilo que ficou na caixa depois de esforços desesperados para fechar a tampa não serve de desculpa)
Conselho de Ética*: Órgão independente e transdisciplinar que analisa e dá parecer sobre aspectos éticos dos avanços científicos na biologia (cortei e copiei – é o que diz no site oficial- quanto ao resto: não sei)
“Ricardo que andava à procura da Diana”.*: com o devido respeito que é muito: raios partam os publicitários!
primo em quarto grau de Zeus *: claramente inventado.
criador da raça humana e primeiro socialista conhecido*: a primeira parte é o que conta o mito. a segunda claramente inventada.
lixou-se*: Zeus mandou prendê-lo. com correntes feitas por Hefesto. a uma rocha. para toda a eternidade.
Acorrentado, uma águia comia-lhe o fígado. que voltava a crescer no dia seguinte. para que a águia o comesse de novo. para que voltasse a crescer. e assim para sempre e sempre e sempre.
uma caixa*: há quem diga que era um jarro.
“Uma lady na mesa, uma louca na cama”*: uma canção do Marco Paulo. Favor procurar no youtube e ouvir este hino. Agradecida.
” uma limpeza de Primavera” *: o que se faz quando não se tem nada de mais interessante para fazer.
Uma sucessão de males. Terríveis. Insuportáveis. Impossíveis. *: o orçamento geral do estado para o ano de 2013.
Preparado para a fuga.*: ou talvez tencionasse emigrar.
esse grande senhor.”* : ver lixou-se*
o que é que não percebeste na frase*: qualquer semelhança que pareça existir com alguma coisa que já ouviram alguém dizer não é coincidência.
Crónica de Telma Henriques
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Eu limpo, tu sujas, ele desarruma…
RIP Noção