Andar a Pé – Amílcar Monteiro

Se existe algo que nunca compreendi é a razão pela qual, quando alguém nos quer dizer para irmos a um sítio e voltarmos rapidamente, profere a expressão “vai num pé e vem no outro”. É que, meus amigos, esta expressão não faz qualquer sentido. Aliás, se a analisarmos devidamente, vamos ver que é o exacto oposto daquilo que se está a tentar dizer. Senão vejamos: ir “num pé” a um qualquer sítio é ir ao pé-coxinho, o que significa que qualquer distância que percorramos vai demorar o dobro do tempo do que se formos a andar, normalmente, com os dois pés.

Para além desta ausência de sentido, é também importante salientar a figura de idiota que fazemos na rua, ao andarmos a saltitar ao pé-coxinho. Especialmente se nos cruzarmos com alguém e lhe tivermos de dizer – enquanto saltitamos de forma ridícula – que agora não podemos estar à conversa porque temos de ir rapidamente a um sítio.

Vamos então supor que, mesmo apesar de demorarmos o dobro tempo e de fazermos figura de atrasado mental, lá conseguimos chegar ao destino pretentido. Coloca-se agora a questão, mais complicada, de regressarmos ao local de partida. Mais complicada porque temos de voltar ao sítio onde estávamos inicialmente “no outro pé”. Ou seja, temos que regressar ao pé-coxinho num pé que não é o dominante. E, parecendo que não, isso torna o regresso praticamente impossível.

Eu tenho a forte convicção de que preciso momento, por Portugal inteiro, há pessoas que estão há anos a tentar regressar a um sítio qualquer. Aliás, muitos dos sem-abrigo, são apenas pessoas que não aguentaram e tiveram que desistir de voltar a casa.  Tudo porque alguém lhes disse para irem num pé e voltarem noutro.

P.S. –  E já agora: “pé-coxinho”?! Porquê “jogo do pé-coxinho”? Já alguma vez viram um coxo a andar dessa forma? Eu cá nunca vi. Já vi coxos a mancar, mas nunca vi nenhum a locomover-se aos pulinhos. Na minha opinião, em vez de “jogo do pé-coxinho”, deveria chamar-se “jogo perna amputada”. Não, esperem, não chega, porque alguém com uma perna amputada pode sempre pôr uma prótese, andar de muletas ou de cadeira de rodas…. Já sei! Devia chamar-se “jogo da perna amputada numa pessoa sem posses para adquirir equipamento médico de compensação da mobilidade”. Isso sim, faz sentido. Não tem nada que agradecer, leitor. Pensar nestas coisas é a minha função.

Crónica de Amílcar Monteiro
O Idiota da Aldeia
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