O Testamento Político de Cavaco Silva

Cavaco Silva apresentou nos últimos dias o perfil que considera ser o mais apropriado para o seu sucessor, meu Deus. Se Cavaco tivesse feito este esforço de raciocínio, sim esforço, podia ter evitado inúmeros erros que foi cometendo nestes 10 anos dos dois mandatos, erros que custaram ao país bem mais do que a sensação de que não tivemos Presidente da República, nem travão a um governo que usou e abusou do poder que tinha e que não tinha.

O primeiro ponto levantado por Cavaco e provavelmente o que mais gargalhadas me arrancou foi a capacidade do próximo Presidente da Republica falar a uma só voz com o governo, “adequada coordenação e concertação com o Governo”, é preciso dizer alguma coisa? Penso que ninguém esquecerá o discurso de Cavaco na tomada de posse do segundo e último governo de José Sócrates em que dá uma machadada no governo abrindo uma crise política e agravando a social e económica que o país já vivia, nesta altura tínhamos uma dívida pública de 96% do PIB, neste momento vai nos 128%, agora Cavaco pede responsabilidade e apoia.

Embora hoje em dia estejamos a assistir a um presidencialismo do primeiro-ministro, principalmente desde 2011 em que o Presidente praticamente desapareceu e quando aparece metade do país desejava que não tivesse falado, governar sem o apoio do Presidente da República é uma tarefa quase impossível a não ser que o governo tenha maioria, ainda assim, será sempre uma assombração para o primeiro-ministro, que o diga Sócrates com Cavaco Silva.

Sabendo disto melhor que ninguém Cavaco Silva disse que o seu sucessor devia falar a uma só voz e colmatar as atividades do governo no âmbito da política externa em nome de Portugal. Eu acredito que as pessoas mudam de opiniões de forma genuína, não acredito é que seja realmente isso que tenha acontecido com Cavaco. Desde 2011, a totalidade das declarações do Presidente da República são anedóticas e deslocadas do que foi o seu primeiro mandato.

Basicamente Cavaco acha que o que Portugal precisa é o oposto do que ele foi.

Cavaco tenta portanto antes de deixar o palácio de Belém, deixar o seu sucessor escolhido ou parcialmente eliminados todos os que não lhe tem prestado vassalagem nos comentários públicos que têm feito, como Marcelo Rebelo de Sousa ou Santana Lopes. Isto é errado a tantos níveis que se torna difícil adjetivar e perceber como é possível que alguém como Cavaco tenha estado cerca de 20 anos entre São Bento e Belém, ou seja, no comando do país.

Mário Soares perdeu o filtro político nos últimos tempos, fruto do cansaço que tantos anos de política e diplomacia lhe trouxeram. Pessoalmente continua a agradar-me em quase todas as intervenções que vai tendo, a Cavaco Silva o mesmo foi acontecendo, a pequena grande diferença é que Mário Soares já não está em exercício de funções. Cavaco tem obrigações com os portugueses, tanto os que o elegeram como os que não o elegeram, e não as cumpriu.

Teve durante estes 4 anos várias hipóteses de ajudar os portugueses a saírem da alçada deste governo ainda mais à direita do que a própria política neoliberal da Troika. Não o fez, incentivou sempre a atuação do governo com a desculpa que os sacrifícios tinham de ser feitos e que foram outros que causaram a degradação da economia do país. Estes quase 10 anos deram para encher um baú de biqueiradas, passo a expressão, nos portugueses. Desde a sua reforma milionária que não lhe chegava para pagar as despesas até à nossa senhora de Fátima.

Todo o discurso de Cavaco é no sentido de uma continuação e não de uma mudança, e de obedecer/saber lidar com os mercados e não combatê-los, por tudo isto e por mais que não goste, acabo por concordar com Cavaco, realmente o que nós precisamos é de um Presidente que seja o oposto de Cavaco.