Trabalho Não Declarado

A uma pessoa próxima de mim, está a acontecer um problema laboral que sempre aconteceu, mas que, nos dias que correm, cada vez acontece com mais frequência e que resulta provavelmente da crise que atravessamos e também da falta de escrúpulos de muitos dos nossos pseudo-empresários: o trabalho não declarado.

Em 22 de Agosto, o dito empresário, abriu uma pequena loja em Coimbra, vocacionada para os turistas, com alguns artigos até por acaso com algum interesse e fora do comum. Até aqui tudo bem. Essa pessoa próxima de mim foi contratada a tempo inteiro, com um vencimento de 500 euros, o que aceitou. Passado um mês, pagou o ordenado – os 500 euros certos – que queria entregar em dinheiro, mas que a pessoa amiga pediu que lhe fossem depositados na conta, uma vez que não queria andar com o dinheiro todo na bolsa, pois poderia ser assaltada. E assim aconteceu.

No mês seguinte, aconteceu o mesmo, mas o pagamento já veio com uma semana de atraso…

No terceiro mês – finais de novembro – o pagamento não veio mesmo atempadamente e, depois de o patrão lhe entregar apenas 150 euros, dispensou-a, alegando que “as coisas complicaram-se e não havia condições”…

No final da primeira semana de dezembro, depois de algumas promessas de pagamento não cumpridas, a minha pessoa amiga escreveu uma carta à empresa, registada com aviso de receção, pedindo rescisão do contrato com justa causa, após ter conhecimento e ter verificado que: não houve o obrigatório seguro de acidentes de trabalho, não houve a obrigatória higiene segurança e saúde no trabalho, não houve descontos para segurança social, não houve declaração às finanças para efeitos de IRS, não houve contrato escrito, não houve pagamento do obrigatório subsídio de alimentação, não houve a obrigatória atualização do salário para o mínimo nacional entretanto aprovado em outubro, não houve despedimento formal – apenas dispensa alegadamente temporária.

Para além disso, além do restante salário do último mês de trabalho + 8 dias, não houve pagamento de subsídio de férias, subsídio de natal, férias não gozadas.

Uma vez que não houve contrato escrito, o contrato de trabalho verbal formado – que é legal – possui um período experimental, segundo a Lei, de 90 dias. Mas como decorreram 108 dias de trabalho desde o primeiro ao último, o período experimental foi ultrapassado; por isso, a trabalhadora tem ainda direito a receber um indemnização por dispensa permanente (leia-se despedimento sem justa causa), quando o seu contrato já tinha passado a “contrato sem termo certo”. Para além disto, a ex-empregada ficava também impedida de usufruir de algumas regalias para efeitos de subsídio de desemprego ou similar, uma vez que não existiu declaração de descontos.

Feitas as contas, sem contar os obrigatórios descontos para a segurança social, o patrão teria a pagar mais de 1500 euros. Foram estas as alegações que a ex-empregada escreveu na sua carta. Foi dado um prazo de resposta de cerca de 1 semana, caso contrário, o assunto iria ser remetido para as autoridades competentes (leia-se ACT, Tribunal do Trabalho, segurança social, finanças…). No entanto, a carta não foi levantada e foi assim devolvida pelos CTT à destinatária. Posto isto, certo dia passou por outra casa comercial da empresa e deixou a carta por debaixo da porta. De certo assim alguém a apanharia.

Aguardou algumas semanas por uma resposta, que não chegou.

Assim, dirigiu-se à ACT, pelo que foi informada que, não existindo contrato de trabalho formal nem provas de início de prestação de trabalho, nada poderiam fazer, a não ser “controlar” a atividade laboral da empresa a partir daí. Aconselharam o Tribunal do Trabalho.

A pessoa amiga pediu então à segurança social apoio judiciário, que demorou cerca de 1 mês a ser atribuído. Atribuída a advogada representante, esta após inteirar-se de tudo o que tivera acontecido, elaborou o processo de queixa para entregar no Tribunal do Trabalho.

Assim, o dito patrão, apenas “acordou” para o problema que tinha criado, após receber e levantar a carta do tribunal, com um pedido de indemnização contabilizado em mais de 3000 euros… Encetou então, a partir daí (só tinha apenas 2 dias até à data da primeira audiência) um role de contactos e de ameaças principalmente ao marido da ex-empregada, no intuito de os intimidar a desistir do processo, querendo apenas pagar 350 euros que, segundo ele, “seria o único valor que tinha ficado por pagar, porque [alegadamente] na altura não tinha possibilidades”.

Não sendo possível narrar aqui o que se passou a seguir, por ser matéria de “segredo de justiça”, que vou respeitar, afirmo antes e aconselho todos os que se propuserem a trabalho que nunca o aceitem sem que haja um contrato formal ou uma qualquer prova de como iniciaram trabalho na empresa X no dia Y: anotar numa agenda, munir-se provas como: testemunhas idóneas que saibam que não irão “roer a corda”; documentos como por exemplo, ser fotografado com um jornal do dia no novo local de trabalho, postar algo sobre o assunto nas redes sociais e pedir a alguém que confirme as suas declarações no próprio dia, etc.

Existem muitos pseudo-empresários que, pensando que têm a faca e o queijo na mão, que podem fazer sempre aquilo que querem, passando ao lado da lei, sem que nunca alguém lhes faça frente, porque pensam que têm amigos bem colocados ou que intimidam as outras pessoas ou que através de ameaças as conseguem demover dos seus direitos, estão muito enganados… A Lei, apesar do muito que se afirma no âmbito dos ambientes sindicais, ainda protege bastante – e bem – o trabalhador contra os empregadores sem escrúpulos e que, por vezes, apenas são uns tiranos sacanas que pretendem ganhar a todo o custo mais do que aquilo a que têm direito.

Todo o cuidado é pouco!