Era uma vez no cinema: Spotlight

               A pedofilia e o abuso sexual de menores no seio da Igreja Católica é um dos maiores desafios que o Vaticano enfrenta nos dias de hoje. Não é que seja um problema recente para a Igreja (como se viu no filme), mas é algo relativamente novo para o resto dos cidadãos. Em 2002, uma equipa de jornalistas do jornal “The Boston Globe” denominada por “Spotlight”, publica um artigo em que expõe abusos sexuais efectuados por oitenta e sete padres da arquidiocese de Boston. É nos bastidores desta incrível investigação que se desenvolve este “Spotlight”.

             O actor/argumentista/realizador Tom McCarthy foi a pessoa encarregue de transportar esta história para os grandes ecrãs. A sua experiência como realizador é relativamente curta (“Spotlight” é apenas o quinto filme realizado por McCarthy), mas é verdade que o norte-americano já tinha demonstrado talento em algumas das suas obras anteriores, como é o caso de “The Visitor”. Embora este tenha as suas qualidades, “Spotlight” está noutro patamar e é sem dificuldade o trabalho mais eficiente do realizador natural de New Jersey.

               Numa era em que o jornalismo na sua essência se encontra em crise, no entanto não quero cair no erro de generalizar, pois como é óbvio existem óptimos jornalistas no activo. Porém, basta despender um bom par de minutos para visualizar os nossos jornais para repararmos que a falta de ética e rigor é cada vez mais usual, infelizmente. “Spotlight” mostra tudo aquilo que deve ser um verdadeiro jornalista, a real razão de ser do jornalismo. Os filmes jornalísticos são um género que aprecio, é impossível esquecer o grande “All the President’s Men” de Alan J. Pakula. Todavia, este género estava carente de uma nova obra que trouxesse esta vertente à ribalta novamente, pois o passado recente de filmes jornalísticos é pobre. “Spotlight” é o filme que promete relançar de novo este género!

               “Spotlight” é uma obra muito bem delineada, com um desenvolvimento cuidado e preciso, sem nunca se arriscar demasiado, isto porque o tema por si só já é suficientemente provocador e polémico. Tom McCarthy opta (e bem) por focar a sua obra no processo de investigação, sem nunca dar grande importância ao desenvolvimento dos seus protagonistas, pois o foco de “Spotlight” não é esse. É aqui que o brilhante argumento da autoria de McCarthy e Josh Singer faz a diferença, isto porque consegue criar óptimas personagens sem lhe dar grande atenção, de forma a que nunca atrapalhe o seu propósito investigativo. Para além disso, encontramos em “Spotlight” alguns dos melhores diálogos do ano, onde são evitados os discursos moralistas que normalmente acompanham um tema tão sensível quanto este. O poderoso argumento é sem sombra de dúvida a grande força de “Spotlight”. A direção ágil de McCarthy imprime ao filme um ritmo fantástico, prendendo o espectador à investigação durante toda a sua duração, uma vez que não perde tempo em questões que nos afastem do tema principal. Esta é uma obra que se aproveita da dimensão da sua temática, pois não é assim tão usual um filme que critique abertamente a Igreja Católica, até porque são sempre tópicos muito difíceis de abordar, tendo em conta a enorme comunidade católica no mundo. Ainda assim, McCarthy faz questão de distinguir aquilo que é a fé e a religião católica da Igreja Católica, que embora estejam inevitavelmente ligadas, são coisas diferentes. Encontrar aspectos negativos em “Spotlight” não é tarefa fácil, pois é um filme bastante maduro e competente, mas como estamos em vésperas dos Óscares 2016, é inevitável que se façam algumas comparações com os seus principais rivais nesta época de prémios. A verdade é que sendo um filme acima da média, este não traz nada de novo e fresco, algo que “The Revenant” e “Mad Max: Fury Road” trazem.

               Tom McCarthy usufrui ainda de um conjunto de actores em óptimo plano. É difícil destacar apenas uma das interpretações, mas creio que a maior ênfase vai para Mark Ruffalo. O actor que volta a ter uma actuação de qualidade, algo que já é habitual no norte-americano, conseguindo mesmo a indicação ao Óscar de Melhor Actor Secundário. O revigorado Michael Keaton, Rachel McAdams, Liev Schreiber e Stanley Tucci, estão todos muito bem nos seus papéis.

               Nomeado para seis categorias, “Spotlight” apresenta-se como um dos grandes favoritos nos Óscares 2016, onde se prevê que dispute a estatueta de Melhor Filme com “The Revenant” de Iñarritu. Se merece estar no lote de nomeados a Melhor Filme? Sim. Se merece vencer? Na minha opinião, não!