Existem muitas palavras que, com o decorrer do tempo, têm vindo a ser deturpadas isto é, a ganhar diferentes sentidos que, em alguns casos beneficiaram a palavra enquanto “conceito” e noutros casos prejudicaram-na, ou seja, diminuíram o seu sentido e abrangência.
Neste período de festas natalícias, é com bastante frequência que escutamos as palavras solidariedade, humanidade, caridade, entre outras. Esta é uma das palavras que certamente perdeu nos nossos dias o seu sentido inicial, enquanto termo da antiguidade, derivada do Latim: Caridade.
Caridade é para muitos de nós hoje o gesto de dar uma esmola, ter pena de alguém que nada tem ou que sofre, etc. Porém, as origens da palavra não nos aponta apenas este âmbito, mas uma amplitude de significado muito maior. Caridade é certamente uma palavra pouco usada, principalmente por pessoas cuja confissão religiosa é ambígua ou inexistente e até mesmo para aqueles que têm vergonha de assumir que têm profissão religiosa, qualquer que ela seja.
Ora, através de algumas pesquisas efetuadas em dicionários, na net, wikipédia, entre outros, constatamos as seguintes definições e origens:
Definição humanista: Caridade é um sentimento ou uma ação altruísta de ajuda a alguém sem busca de qualquer recompensa. A prática da caridade é notável indicador de elevação moral e uma das práticas que mais caracterizam a essência boa do ser humano, sendo, em alguns casos, chamada de ajuda humanitária. Termos afins: amor ao próximo; bondade; benevolência; indulgência; perdão; compaixão.
Definição ligada ao protestantismo: origem do latim CARITAS=estima; afeto e do latim CARUS=de alto valor; caro, digno de apreço; querido, agradável. “Caridade” (amor), i.e., o interesse e a busca do bem maior de outra pessoa sem nada querer em troca, conforme a Bíblia Sagrada, única Regra de Fé dos protestantes evangélicos:
João 3:16 – “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”.
Marcos 12:30-31 – “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes”.
E mais: (Rm 5.5; 1Co 13; Ef 5.2; Cl 3.14).
Definição ligada ao catolicismo: a doutrina católica classifica a caridade como uma das virtudes teologais e uma das sete virtudes. Tem o mesmo significado que o Ágape. É um sentimento que pode ter dois sentidos, o sentimento para si mesmo, e ao próximo. O cristianismo afirma que a caridade é o “amar ao próximo como a si mesmo”. E afirma que se uma pessoa não se amar adulterando e mentindo a si mesma sobre as coisas que a rodeia, defendendo somente o seu ponto de vista sem pensar no ponto de vista divino, pode estar “amando” o seu próximo, mas da sua maneira, pois quanto mais buscar o esclarecimento divino sobre como amar a si mesma, maior poderá ser o amor desta pessoa pelo seu próximo.
Neste contexto, não só pelo respeito da origem etimológica da palavra, mas também pelo seu significado humanista e religioso, assumamos que “Caridade” significa muito mais do que “dar uma esmola”, até porque existem várias formas de dar uma esmola: 1) por pena de quem se dá; 2) para que aquele a quem se dá não nos aborreça mais; 3) para que os outros vejam que somos pessoas piedosas e por isso damos esmola; 4) porque nos enchemos de compaixão daquele que necessita e dividimos o pouco (ou não) daquilo que temos com o outro, por amor ao próximo, porque o nosso coração fica mais limpo e mais enriquecido com o gesto de oferecermos ao outro: o nosso tempo, o nosso dinheiro, os nossos bens, a nossa atenção, a nossa amizade, parte do nosso conforto e muito mais.
Assim, “Caridade” deixa apenas de ser uma palavra para passar a ser um conceito, uma atitude, uma forma de vida que muitos já praticam da forma mais sincera (4), mas que outros praticam fugindo ao verdadeiro valor do conceito (1, 2 e 3).
Ser caridoso é assim uma forma de vida e não um tempo curto da época natalícia.
Ser caridoso é uma postura de todo o ano, porque em todo o ano há muitas pessoas a passar dificuldades, há muita gente a sofrer nas ruas, nos hospitais, nos lares de terceira idade, em suas próprias casas, devido a carências, a abusos, a violência, a abandono e por muitas outras razões.
Caridade é, no fim de contas, amar: amar-se o próximo como a nós mesmos e isso é uma atitude para os 365 dias do ano.
Texto reflexivo que me fez pensar na viragem necessária do mundo em que vivemos como alteração do interior de cada um. O fim do mundo de que tanto se falou (estupidamente) não foi entendido como devia ser: alterações profundas do nosso interior face a nós mesmos e aos outros. Banalizámos tudo, banalizámos os sentimentos, banalizámos os valores, banalizámos a caridade. Tornámo-nos seres preocupados com o exterior e esquecemo-nos do interior, esquecemo-nos de cultivar o interior para melhor servir o outro. Não entendemos isto, não entendemos a necessidade de mudar os nossos valores (ou a falta deles), achamos que tudo passa, achamos que é só uma fase. Criticamos tudo e todos e não conseguimos olhar para nós mesmos: esse é o verdadeiro problema. Somos incapazes de perceber as verdadeiras virtudes da vida, não sabemos o que é a vida, mas achamos que sim.
Enquanto não se mudarem mentalidades, dificilmente entenderemos ao verdadeiro conceito da palavra caridade. Bem-aventurados os que já a alcançaram!
Olá Colega Rafael,
Como refere a Catarina, é um texto que dá que pensar. Todos queremos praticar qualquer coisa, por vezes nem sabemos bem o quê. Então, vamos lá praticar uma solidariedade, uma caridade,… mas só aquele que cuida de si mesmo, é que tem a capacidade suficiente de se dar ao outro. Aquela frase “se eu não gostar de mim, quem gostará?” pode ser lida aqui ” se eu não cuidar do meu interior,como posso dar-me aos outros?”
Adorei o texto Rafael.
fatima ramos