Perdido por Cem, Perdido por Mil!

Não sei se por ser desventurado, aventureiro ou puramente desnaturado, me lancei à boca do Leão, num sábado igual aos outros, não fosse o vento a cortar a garganta e a gravata estreada propositadamente para o evento. A juntar a companhia, de combinações de última hora, porque tinha boleia para casa e me podia deitar tarde, que a mãe chama para o almoço, uns trocos no bolso e a confiança cega de sair milionário.

Valeu-me a confiança ante a fiança de na minha estreia, lá para os lados da linha de Cascais, onde a praia e os bairros sociais se confundem com a excentricidade dos néones e uns quantos espectáculos assinados por Felipe La Féria, tudo ter perdido, embrenhado patusco armado até aos dentes com a perra mesada que mal lhe chega para casca de tremoço.

Sem mais demoras, entra galaró, usa o bengaleiro e no bom tom português aposta em raspar, a ver se calha algum para o café inflacionado. A primeira derrota não o desanima, pois que de tanta máquina que vê, onde septuagenárias esfumaçam tabaco barato até ao caramelo com cara de quem a vida hipotecou, decerto trará algum para casa. Isso da sorte ao amor, azar ao jogo ou vice-versa pouco lhe importa, costuma ser um tipo de plenos e tem a plena noção disso.

Mentiria se dissesse que alguma vez pensei em perder. Era a primeira vez e, confiançudo, sem saber sequer o que estava a fazer, entrei com cinco e dobrei. Achei-me rico, qual criança com um novo brinquedo. No fascínio de toda a ostentação, típica do salão e das pessoas que lá vão, achei que por momentos também tinha quatro mil para oferecer, porque é valor baixo,- menos um lanche na Padaria Portuguesa, menos uma TV 7Dias – como uma espécie de magnata de fato de treino, com um império de sorte no seu azarento sentido de estética. Ninguém vai para o casino envergando um fato de treino do Benfica. Não só por ser fato de treino, mas também por ser do Benfica. E eu, que sou de Benfica, sei disso melhor que ninguém…

Qual gabarola embutido numa falsa maré de sorte, entrei no esquema do quero-mais, típico de um jovem altamente susceptível a vícios, num covil de lobos, armados até aos dentes, de laçarote e luva branca.

Ficou-se-me, tal qual a expressão popular, com tudo o que levara para essa noite. E eu sem café, figuradamente nu, já enfastiado, envolto até numa azia aguda, porque no fundo me fazia falta ou porque afinal quinze euros ainda é dinheiro…

A moral da história, em jeito de fábula e no mesmo mas de conclusão, é a certeza de que da próxima vez me fico pelo papel de Mirone perverso, semelhante a um voyeur de grandes fortunas, e levo os trocos contados, sem tentação de os trocar… E só lhes toco para uma generosa dose de cafeína. Está prometido!

(Última crónica da série ‘’A Crítica nas Entrelinhas’’)