“There are some things you learn best in calm and some in storm”, Willa Cather
Agora que se anuncia uma vaga de frio para Portugal, uma tempestade, uma frente fria – não importa a nomenclatura usada – percebemos que outros países europeus estão já há algum tempo com temperaturas abaixo de zero. Em cidades como Lisboa, raramente a temperatura desce a graus negativos. Queixamos-nos muito do frio porque as casas não estão aquecidas; porque as roupas que vestimos provavelmente são insuficientes (ou não as vestimos da forma correcta, peça sobre peça). Queixamos-nos muito. Há coisas que aprendemos melhor na tranquilidade; outras porém só na tempestade. É o que disse Willa Cather. E estou tentada a concordar. Aprender na tempestade.
O frio na Hungria, nos Balcãs ou mesmo em qualquer outro país europeu do hemisfério norte aponta frequentemente para temperaturas negativas. Frio intenso, gelo, neve. Risco de hipotermia. Tempestade.
O conforto da climatização, do aquecimento nas casas, da roupa e calçado adequado, de uma refeição quente e nutritiva, de uma cama confortável onde deitar o corpo ao fim do dia….tudo conquistas que o Homem tem vindo a fazer ao longo dos tempos. Conquistas à geografia, à meteorologia, à nutrição…o Homem?
Parece que falhamos fatalmente naquilo a que o psicólogo americano Gustav Gilbert designou como ausência de empatia, na sequência dos seus diálogos com alguns dos nazis detidos para o Julgamento de Nuremberga. O mal, afirmou, é a ausência de empatia.
Poder-se-à pensar nos motivos que me levam a “viajar” até à Alemanha nazi e aos campos de concentração, e aos cidadãos de terceira e quarta categorias (assim considerados pelas elites políticas), amontoados e arrefecidos em territórios de ninguém, gelados e esfomeados, des-individualizados, desnutridos, entre os quais se encontram crianças e idosos. Cidadãos que comem no chão como os animais, rações de combate insuficientes para o provimento saudável do organismo. Que se amontoam como gado em armazéns, vãos de escada e espaços similares, tentando aquecer-se em fogueiras exímias e efémeras.
E tenho vergonha. Muita vergonha de pertencer a uma Europa que não aprendeu na tranquilidade – nem na tempestade. Com os erros do passado.
Olho as imagens destas pessoas com frio e fome, geladas pelos rigores do inverno europeu e penso em empatia – ou na ausência dela. Penso nas aprendizagens que deveriam ter sido feitas há muito – feitas na tempestade das guerras e dos campos de concentração, do Auschwitz alucinante e interrogo-me: onde deixámos nós a empatia?
Martha Nussbaum em The quality of life (1993) afirma-nos que “the human self is grounded in a concept of ‘personhood’; to have a ‘self’ is to be a ‘person’ ” . O conceito de “ser pessoa” não existe para muitos. Para estes e milhares de muitos outros que perecem no mundo cruel da ausência de empatia.
Gilbert recolheu os depoimentos de indivíduos como Hermann Goering. Para eles, a propaganda tinha reduzido o povo judeu a conceitos muito próximos de bestialidade. Eram a praga, os insectos nojentos, as sombras funestas…só assim se tornava mais fácil contemporizar a eventual culpa pelo extermínio. E agora? Por onde andam os Goerings da Europa contemporânea? E porque permitimos uma repetição tão infame ?
Vejo as fotografias e os vídeos que chegam aos media, da Grécia, da Hungria, dos Balcãs. São refugiados. E no entanto, tudo neles me lembra outros tempos, outras guerras, outras crueldades.
Há de facto coisas que só se aprendem na tempestade. A tempestade de destronar quem governa um estado de sítio como este, com a maior ausência de empatia, com crueldade e indiferença à dor.
Vergonha! Muita vergonha!
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