No passado Domingo “a democracia venceu”. No berço da civilização ocidental, um grito de revolta eclodiu das urnas para as ruas de Atenas, sem chantagens, sem imposições, sem “diktats”. Pensou-se que a frágil situação económico-financeira da Grécia tiraria a muitos a coragem ao povo na hora da decisão. Estavam errados. Quando chamado, correspondeu. Foi a vontade, o desespero, a esperança e a luta as palavras-chave deste hino à democracia. A vontade de não perpetuar erros, o desespero da precariedade, a esperança de uma vida melhor e a luta por condições mais dignas.
Perante uma Europa em processo de desagregação a lucidez não faltou, ao contrário dos tecnocratas de Bruxelas, cujos interesses duvidosos propiciam uma reflexão crítica interna sobre o que significa pertencer a uma União. Afinal de contas quem é mais radical? Um conjunto de credores que, de forma a recuperarem o seu investimento, subjugam um povo à pobreza e à miséria, ou, um governo que tenta procurar alternativas menos ortodoxas? Sim, a pergunta do referendo era confusa, vaga e o acordo em questão já nem sequer estava em cima da mesa de negociações, mas a sua análise deve ir para além do papel.
É óbvio que a recusa expressiva das condições dos credores não salvará a economia grega e é ainda mais óbvio que os tempos se adivinham muito difíceis para este país. Contudo, o simbolismo por detrás do “Não” é impagável. Uma nação que não se curvou perante os ditames de instituições estrangeiras e não democráticas (como o Fundo Monetário Internacional) na esperança de encontrar outras soluções merece todo o nosso respeito, e, talvez alguma aprendizagem. O “Não” só tem valor quando o “Sim” é dito demasiadas vezes.
A ideia da criação de uma união monetária europeia surgiu para combater a descoordenação das políticas monetárias de vários países europeus. Há quem defenda, inclusive, que a criação do euro se explica por uma intenção de vários governos franceses de reforçar a ligação de uma Alemanha recém-reunificada após o fim da Guerra fria, a uma Europa cada vez mais União.
Apesar de a veracidade de tais afirmações ficarem por determinar, a verdade é que o euro teve como padrão o marco alemão e isso é inquestionável. Numa região com mercados de trabalho desintegrados, a criação de uma moeda única e forte parecia ser um problema, mas muitos interpretaram esse entrave como um pretexto para mudar essas circunstâncias. Com a nova moeda, as economias abrangidas tiveram de se adaptar a rápidas transformações, tão rápidas que o debate sobre a implantação das mesmas não permitiu uma maior clareza sobre as consequências que daí poderiam advir. A ânsia por essas “reformas estruturais do mercado” foi tanta que as preocupações com a falta de mecanismos de gestão de crises foram relegadas para segundo plano. Os frutos colhem-se hoje.
A Grécia encontra-se num sério dilema no qual todos os caminhos são negativos a curto-médio prazo. Mas ainda existe tempo, embora limitado. Tempo para discutir, tempo para pensar mas sobretudo tempo para agir. Numa altura em que o Ocidente se vê atacado todos os dias por forças externas, aos seus valores e à sua “way of life”, seria bom que, por uma única vez, demonstrássemos a solidariedade e compaixão pelos mais fracos que sempre nos caracterizou e que o modo de produção capitalista não protege. É bom não esquecer que da pobreza, tira o forte a riqueza mais nobre. Até lá continuaremos, por essa Europa fora, com o manifesto dos pobres.
Mais crónicas
Oh Deus, porque é que nasci bonita em vez de rica!
Ana Gomes pode ser a tal…
Divórcio – A Salvação dos Casamentos Infelizes