A César o que é de César

César apontou a dedo para uma das escravas mais novas e foi-se deitar com ela, a pensar que era a última noite que usufruiria de gozar os prazeres carnais, antes de, no dia seguinte, e devidamente fardado, instruir os generais no campo de batalha da forma de levarem de vencida o inimigo que se lhes apresentava pela frente.

Um bando de selvagens, invocava ele, sem vacilar na seleção de palavras quando queria justificar depois, ter mandado decapitar os sobreviventes que tinham saído derrotados, mesmo os que se rendiam à espera de todos verem que, para ninguém lamentar terem morrido em vão, tinham sido os únicos a saírem ilesos porque tinham sabido manter a cabeça no lugar.

Júlio César sentia-se claramente afortunado. Era um homem na flor da idade. Os músculos desenvolvidos ajudavam a definir-lhe o corpo e, à semelhança dos ídolos que idolatrava nos templos romanos, tinha um rosto de feições austeras, parecendo esculpidas num bloco gigantesco de mármore que era difícil derrubar.

Apesar de acompanhá-lo há diversas semanas e verem-se regularmente, jamais com Adelaide, era este o nome da escrava palestina capturada numa recente escaramuça em que o pai foi forçado a cedê-la em troca de vida, ele estabelecera uma relação tão forte como com outras escravas, mais desenvolvidas do que ela para a idade, mas cuja única função continuava a ser servi-lo desde que César assumira o poder e se tornara no homem mais importante de um império que passava por ser romano, mas, de tão vasto que era extravasando as fronteiras europeias, até podia assumir o nome de alguma praça importante do norte de África ou mesmo do médio-oriente.

A jovem praticamente nascera órfã de mãe, que falecera ao pari-la na tentativa vã de agradar ao marido, com o nascimento de um filho-varão que, dali a uns anos, a par da continuidade do nome, garantisse descendentes na sucessão ao trono no pequeno reino que ele então governava.

Até ter há poucos dias completado os dezasseis anos, ao olhar do imperador romano, a beleza da jovem passara tão despercebida, que, apesar de até conviverem à mesa, nunca ele reparara no seu rosto de traços singelos como o desenho de uma flor sobre uma tela de algodão. Era como se a confundisse com uma menina de quem, mesmo dias antes de se tornar uma mulher, ainda se pensasse pelo aspeto que estava muito longe de vir a atingir a idade adulta.

Apesar de viver remetida a uma situação de escravatura e não poder livremente assumir as suas opções, que passavam por regressar a casa, Adelaide era muito bem tratada e, como era muito vaidosa, adorava aparecer diante do imperador bem vestida e ornamentada. Por cima da túnica de linho gostava de usar uma estola presa por um cinto, cingido à cintura, tornando-a vistosa como uma galera engalanada de bandeiras alusivas a uma festa marítima em honra de Minerva a deusa da arte. Na cabeça, ora usava o chamado coque no topo da cabeça ou uma complexa touca enfeitada com ganchos e fitas. Todavia, Contudo, mesmo despojada de adereços, que lhe davam o ar de uma deusa, sobressaía sempre mais do que a mulher mais bela que seguisse a bordo numa daquelas embarcações.

O cabelo tinha cor de café com leite, mas ao suave toque dos dedos era macio como a espuma delicada de um litro de leite acabado de ferver e, como se não bastasse, tinha um tal timbre de voz que, sempre que abria a boca em qualquer dos idiomas que dominava, sempre parecia falar de amor.

Mal imaginava um homem tão poderoso como Júlio César que havia de apaixonar-se por uma mulher tão jovem, porém encantadora. Durante toda a noite, até adormecer exausto como se tivesse combatido a cavalo durante horas, ele amou-a afincadamente, como se concretizasse um sonho antigo ou simplesmente, por puro ego, satisfizesse esse desejo profundamente enraizado no homem, que era o de combater pela vã glória de mandar.

O ato libertador do orgasmo levou-o a sentir emoções esquecidas e a desejar, na manhã do dia seguinte, não ter de se levantar para liderar um exército com o fito das conquistas, sabendo que afinal o prazer de conquistar um reino não é, nem de perto nem de longe, comparável ao de quando se desbrava o caminho e conquista o coração da mulher que se ama.