Um Amor em Tempos de Covid – PART II

– Menina…Tire a bata, compre o jornal, vá para casa ver as notícias e se tiver coragem volte amanhã!

“Um Amor em Tempos de Covid” – Part II

Antónia foi para casa, meio atarantada, sem perceber bem o que tinha acabado de acontecer. Será que tinha sido despedida? Ou será que a chefe estava a falar a sério e poderia voltar amanhã? Fosse como fosse ela teria de perceber o que raio era a Covid-19 antes de poder voltar a apresentar-se ao serviço.

Assim que chegou a casa, ligou a TV e, para seu espanto, todos os canais falavam de “Pandemia”; “Covid-19”; “Corona vírus”. Como era possível que isto lhe tivesse passado ao lado durante tanto tempo? Ok, é certo que em Pitões das Junias só se apanha 2 canais, e mal!! Mas, bolas, havia jornais. Existia Wi-fi ao pé da junta. Como é que isto lhe tinha passado ao lado?! Que vergonha…


Nessa mesma tarde Antónia foi para a biblioteca da Cidade Universitária de Lisboa e pesquisou tudo o que conseguiu encontrar sobre doenças respiratórias, SARS-COV, Covid-19, pneumonias e os melhores sítios onde jantar em Lisboa. (Sim, porque ao fim ao cabo ela era nova em Lisboa e ainda não conhecia nada nas redondezas, não é verdade?!).

No dia seguinte lá estava ela, firme e hirta, pronta para se apresentar ao serviço.
– Bom dia chefe!
– Ah, voltaste…
– Sim, claro! Peço desculpa por ontem.
– As desculpas não se pedem… evitam-se. Mas estás cá hoje, isso é que importa. Presumo que já saibas com o que é que estamos a lidar.
– Bom. Mais ou menos, eu…
– Mais ou menos neste momento é mais que suficiente. Até porque na verdade ninguém sabe bem que porcaria é esta. Só sabemos que esta doença veio lá da terra dos olhos em bico e está a revelar-se um belo bico de obra. Vá, equipa-te e anda.

Antónia passou todo o dia em visitas. De quarto em quarto. Paciente em paciente. A fila de pessoas no S.O. era cada vez maior. Se ontem a correria e o entra e sai de “Covids” a surpreendia, hoje o sentimento era outro: medo… Muito medo. Pois de acordo com o que tinha percebido o grau de contágio deste novo tipo de SARS-COV era enorme. A gravidade com que atacava os pulmões do paciente era alarmante. E se, por alguma azar, o paciente  já tivesse outras patologias? Aí então poderia ser mortal!

Passou-se uma semana, duas, três… Os casos cada vez aumentavam mais. O País fechou completamente para tentar controlar esta pandemia, mas ainda assim não estava fácil. Antónia via, diariamente, paciente atrás de paciente a falecer sem terem sequer a possibilidade de se despedir dos seus familiares. Que coisa do Diabo. Apanhamos a doença por estarmos junto de pessoas e morremos sem podermos estar junto de ninguém! Nem mesmo daqueles que amamos. Antónia estava de rastos. Trabalhava 12h, 14h, 16h e quando ia para casa ainda se sentia culpada. Completamente desesperada ligou à mãe. Não queria dar parte fraca mas precisava de desabafar com alguém.

– Estou, mãe?
– Olá, filha. Há tanto tempo que não ligavas. Está tudo bem contigo? Imagino… Essa correria toda da cidade grande. E já fizeste muitos amigos? Não me digas que tens um namorico? Ahhh, eu sabia… Moça da aldeia em cidade grande… é como… É como… Olha agora, não me lembro. Esta memória já não é o que era. Mas conta-me, é por isso que não tens ligado não é?! Vá… Conta-me tudo!
– Tu estás bem, mãe?
– Ó… ey cá ando. Dores nas cruzes, sabes. Enquanto não vem o calor é sempre a mesma coisa. Mas a primavera deve estar para aparecer, que já comecei com as minhas alergias. E tu, filha? Deves estar magrinha, magrinha. Tu tens comido, filha? Queres que a mãe vá aí para te ajudar? Não pode ser só trabalho. E por falar em trabalho? Como vai isso por aí? Ainda te lembras do que aprendeste na faculdade? Espero que sim… Para os rios de dinheiro que eu e o teu pai gastámos para tu estudares…
– Mãe… Tenho de desligar. Está tudo… bem. Não te preocupes. Vá, beijinhos. – Nitidamente a mãe não sabia o que se passava no Mundo.

“Será que lhe devia ter contado? Não. Não podia… “, pensou Antónia. A preocupação daria conta da sua mãe. Mas e se… E se por não lhe contar nada ela corresse perigo? E se a mãe apanhasse Covid-19 porque Antónia não a avisou do que se passava? Jamais se perdoaria. Só havia uma coisa a fazer.

– Estou?  Jorge, é a Antónia.
– Olá preciosa, mudaste de número?! Hoje não vou aí… Ainda me dói as pernas de ontem.
– Jorge, Antónia, a tua ex…
– Ah!!! Pois… Eu sabia… Estava a brincar contigo. Ah! Ah! Caíste que nem uma patinha. Estás boa miúda?! Que tal vai isso? Pronta para voltar para a terra?
– Não Jorge… Não vou voltar. Finalmente percebi que o propósito da minha vida passa por ajudar pessoas. E é isso mesmo que estou a fazer aqui.
– Boa… E as pessoas também te ajudam a ti? É que sabes que se for preciso eu vou até Lisboa só para te… ajudar. Ah! Ah! Se é que me entendes.
– Queres-me ajudar Jorge? Então faz-me um favor, toma conta da minha mãe. Ela já não vai para nova e com o Coronavírus por aí eu não fico descansada de ela andar na rua.
– Olha outra… Já no outro dia o Zé do talho estava com essa conversa. Isso não chega cá, pá!
– Já chegou Jorge!!! Luto contra isso todos os dias!
– Mas isso é aí. E para além do mais vocês conseguem tratar de uma constipaçãozinha sem grande dificuldade. Ao fim ao cabo estás “NA GRANDE LISBOA”. Não sejas dramática, pá! Dás 2 Cêgripes e um Ben-u-ron aos velhotes e em dois dias estão prontos para a festa. E os que morrerem, olha, era porque tinham que morrer.
– Não Jorge, não é bem assim. Tu não sabes do que falas. RESPONDE-ME PORRA! Podes tomar conta dela ou não?
– Está bem… Eu tomo conta da velhinha. Já que não posso tomar conta da filha tomo conta da mãe. Até porque como se costuma dizer “Bem, bem é pôr na filha e pôr…”
– JORGE!!!
– Ah! Ah! Calma Antónia. Estava a brincar… Vai lá brincar às enfermeiras e, se for preciso alguém para te dar uma pica, liga-me. Beijinhos…
– AH! QUE… QUE… QUE… SEU… RAIOS!!! – Antónia conseguiu ficar ainda mais irritada e preocupada depois de falar com o Jorge que antes. “Que anormal! Será que ele foi sempre assim ou estava pior desde que me vim embora?! HUUUMMMM! Que imbecil. Devias apanhar esta porcaria para veres se é “só uma constipaçãozinha””.

TO BE CONTINUED…