A entrevista decorre em estúdio, no telejornal de um qualquer canal em horário nobre.
JORNALISTA (J) – Boa noite, Sr. Henrique Gouveia e Melo. Começo por perguntar: prefere que o tratem por vice-Almirante ou Coordenador do Plano Nacional de Vacinação?
HENRIQUE GOUVEIA E MELO (HGM) – Boa noite, pode ser por Coordenador do Plano Nacional de Vacinação. É que se a coisa der pró torto e tiver de sair do cargo por … motivos pessoais como o meu antecessor, não quero ficar mal visto por acharem que não devia ter sido o primeiro a abandonar o barco.
J – Por falar em barco ou navio, este que o Sr. Coordenador agora comanda é de grande porte.
HGM – Sem dúvida, com os meus colegas na cantina militar, costumo compará-lo a um porta-aviões … e ainda bem, porque, com tanta água que tem metido, se fosse uma simples barcaça já teria ido ao fundo.
J – Refere-se às pessoas que foram indevidamente vacinadas por causa das sobras?
HGM – Também. O povo do alto da sua sabedoria costuma dizer que sobra sempre é para o mais fraco e neste caso sucedeu precisamente o contrário.
J – Falou aí no seu antecessor. Como viu o trabalho do ex-coordenador da task force?
HGM – Muito mal porque tenho as lentes sempre embaciadas por causa da máscara.
J – Mas o Sr. não usa óculos.
HGM – Só para ver ao longe.
J – Compreendo, e para o estúdio não precisou de trazê-los porque me vê ao perto.
HGM – Precisamente, só nos veríamos ao longe, se, por acaso, nos programas de televisão cumprissem as normas de higiene emanadas da Direção Geral de Saúde, como o exercício do distanciamento social e já agora do uso de máscara.
J – Bem … Sr. Coordenador, adiante … acredita que os portugueses fora dos grupos prioritários estarão vacinados quando chegarmos ao verão?
HGM – Tudo aponta para que sim, mas se não for já em junho, que seja em novembro, no chamado verão … de S. Martinho.
J – Um dos obstáculos poderá ser o escasso número de vacinas disponíveis, não?
HGM – De vacinas nem tanto, mais de pessoas para vacinar. Por este andar, com tantos portugueses fora dos grupos de risco que têm sido indevidamente inoculados, diria que nos arriscamos a ter nessa altura falta de candidatos.
J – Pois, infelizmente há quem se aproveite da situação. Uns beneficiando do estatuto de autarcas …
HGM – Quando nas autarquias só deviam beneficiar do estatuto de trabalharem menos do que as 40 horas semanais do setor privado.
J – … outros, por serem dirigentes de Lares.
HGM – Esses então só deviam poder beneficiar dum direito negado aos utentes de receber familiares ou ir a casa no Natal e na Páscoa podendo voltar sem ficar de quarentena com um simples teste à saliva.
J – É verdade que há menos vacinas para os militares?
HGM – Não, só para os ramos da Marinha e Força Aérea. Para o Exército, desconhece-se por enquanto o paradeiro, mas acredito que venham a aparecer na Chamusca, e que venhamos a saber delas pelo piquete da Polícia Judiciária Militar, que há-de receber a denúncia através duma chamada anónima. Olhe, pergunte ao ex-ministro Azeredo Lopes.
J – Está-se a vacinar a bom ritmo?
HGM – Superior à média europeia. É a vantagem de termos uma população envelhecida: terminando a primeira fase com a vacinação dos idosos acima dos 80, teremos quase alcançado a imunidade de grupo, porque cobrimos a maior parte da parte da população.
J – Sr. coordenador parece muito optimista.
HGM – Otimisto era vacinarmos as pessoas contra o Covid e elas ficarem já imunes às próximas pandemias.
J – Pensa que depois do sucesso alcançado com o Plano, estará em condições de dar por finda a missão e regressar à vida militar?
HGM – Claro, mas só depois de saber que os meus camaradas da Marinha foram vacinados com as sobras das vacinas que hão-de aparecer pró Exército. Não quero ser lá mal recebido como pelos bombeiros que ainda estão à espera de levar a primeira dose.
J – Como é o seu relacionamento com a ministra da Saúde?
HGM – Excelente!
J – E com o Primeiro-ministro?
HGM – Excelente!
J – E com o Presidente da República?
HGM – Excelente!
J – Nota máxima com todos.
HGM – Não se admire. Desde os tempos de rapazola, na Escola Naval, nunca fui de tirar nota máxima só a uma disciplina.
J – Acredita então que iremos a curtíssimo prazo desconfinar?
HGM – Deduzo que queira saber se vão abrir cafés e restaurantes. A decisão é do Governo, mas eu diria que sim, não sei é se será a tempo de evitar que os portugueses habituados ao take away, venham a exigir que o serviço inclua também mandar lá a casa um cozinheiro, nos dias em que não souberem o que hão-de fazer para o jantar.
J – Para finalizar, concorda com o prolongamento de uma semana no prazo para a segunda toma da vacina da Pfizer?
HGM – Concordo com todas as formas de prolongamento, desde que não prolonguem também numa semana o prazo para termos direito a receber ordenado. Seria trágico, já viu? Aplicando a fórmula matemática que tem ajudado a prever a evolução da pandemia, dá que só iria receber o ordenado de agosto lá para meados de dezembro e o subsídio de Natal, …
J – Muito obrigado, Sr. Coordenador da Task Force, agradecemos a sua presença. Creio que elucidou os portugueses com as suas explicações claras.
HGM – O prazer foi meu … aliás, pode meter uma cunha para eu vir ao programa da manhã cozinhar, sei fazer uns belos pratos. Sopa de grão com espinafres, já ouviu falar?
J – Vagamente …
HGM – Não convide é nenhum especialista para provar, não vá convidarem-me para coordenar um Plano Nacional de Alimentação para os jovens nas cantinas escolares.
J – Acha que não seria capaz?
HGM – Não é essa a questão. É só por achar que ração de combate todos os dias, não é alimento adequado a jovens em fase de crescimento.
FIM
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