Aloquete, Cadeado ou Amor Fechado – Carla Vieira

Há pouco tempo atrás vi uma fotografia na página da Cidade do Porto no facebook que mostrava a nossa querida ponte recheada de “love locks”, uma moda que pegou em vários países e que manda que o casal ponha um “love lock” (para nós um cadeado/aloquete) personalizado na ponte e atire a chave ao rio.

Discussão Primária dos Comentários:
Ai que o amor não é amarrar o parceiro!

Discussão Secundária dos Comentários:
Não é cadeado, é aloquete!

Portanto, enquanto que os comentários acerca do peso que os cadeados fazem na ponte e que é estragar o património e que é vandalismo e “ai meu deus a chave no rio!” e coisas assim foram escassos, as pessoas acharam por bem comentar as duas premissas acima. Vamos lá pegar nelas então, e comecemos pela grande falha linguística que esta gente possui:

Eu sei que no Porto se diz aloquete. Eu sei que em Lisboa se diz cadeado. Eu sei que os mouros, alfacinhas, lisboetas coquetes são os nossos inimigos para sempre e quando vemos um à frente lhes queremos cuspir, e ai benfiquistas de um raio filhos da… Sim, eu sei isso tudo e aceito a tradição. O problema é que não gosto da palavra aloquete, prefiro dizer cadeado, e surpresa!, as duas palavras são sinónimos. Chocante, eu sei. Querem dizer a mesma coisa, e essa diferença lexical é nada mais nada menos do que uma palavra diferente para designar o mesmo objecto. Problema resolvido!

Acerca do simbolismo do cadeado, concordo que o amor deve deixar azo à liberdade de ambas as pessoas. Mas na verdade, oh gente, quando se está numa relação, não se está automática e metaforicamente preso ao parceiro? Digam que não o que quiserem mas na realidade é isso mesmo; quando se faz questão de não se “estar preso” à outra pessoa, vai-se pela via das relações abertas ou os amigos coloridos. Não entendo realmente o problema que algumas pessoas têm com a palavra “preso”, a não ser pela conotação negativa que eu insisto em não ver ou ligar a tal coisa. Incomoda que o cadeado simbolize “estar-se preso” mas não vos incomoda o casamento, que é literalmente pôr uma anilha no dedo para toda a eternidade? Sinceramente há pessoas que têm muitas falhas no que toca aos processos mentais, ou são tapados para aquilo que não vos interessa.

Para mim, os love locks são imensamente mais bonitos que os anéis de compromisso. Não obstante achar que deitar a chave no rio só serve para aumentar a caca que já povoa a água e recusar-me a fazer tal coisa (uma alternativa engraçada seria usar a chave num colar/pulseira/etc.), acho piada ao cadeado estar fechado à chave, com espaço apenas para os dois buraquinhos preenchidos e sem mais nada ou ninguém poder abrir ou quebrar. É o amor a dois e fechado em si, uma pessoa presa a outra porque sim, às vezes estar preso é muito mais bonito do que estar livre.

Entendo que nem toda a gente goste. Entendo que incomode as vossas tão frágeis sensibilidades que os casais felizes “destruam a ponte” com este gesto. Entendo que prefiram que o casal gaste não-sei-quantas centenas de euros em dois anéis em vez de gastarem dez euros num gesto super romântico porque gente, estamos em crise, ok? Comprem mas é anéis de compromisso que os cadeados são caros.

Se acabarão por sair? Suponho que sim porque se virar epidemia em vez de moda, a ponte ficará em risco e claro, alguém vai lá e tira os cadeados. Claro, arranjar outro sítio com uma grelha para não se estragar nada seria infinitamente melhor. No entanto, folgo em saber que em vez de apreciarem o que para muitos é um pequeno grande gesto de amor, para outros tantos é uma mera discussão linguística. E admiram-se do mundo estar como está.



Crónica de Carla Vieira
Foco de Lente