Amigos de Ocasiões – Carla Vieira

Às vezes, muito de vez em quando, ouço a expressão “amigos da onça”, que reflecte basicamente a posição de que há amigos que só existem para aquilo que precisam, e não para os momentos em que são requisitados.

Há, no que toca a amizade, a ideia utópica de que os amigos permanecem sempre e nunca se vão embora. Se se forem embora, então nunca foram nossos amigos. Não percebo esta lógica e até acho um bocado insultuoso acharmos que os nossos amigos, aquelas pessoas especiais que fomos coleccionando ao longo da nossa vida, tenham (coitados) que ficar connosco a vida inteira. Convenhamos, a nossa esperança média de vida é oitenta anos e nós não somos assim tão interessantes.

Não conheço muita gente que ainda mantenha contacto com os amigos de infância, aqueles que se fazem no infantário ou ensino básico. Aliás, nem sei como isso seria. Nós todos mudamos ao longo do tempo. Quando somos crianças, o mundo e o nosso comportamento é sempre o mesmo: brincamos com tudo e todos sem preocupações e não há aquele perigo que distinção e grupos que implicam uns com os outros.

Crescemos, vamos ficando mais adultos, os gostos e as atitudes mudam. Tornamo-nos adolescentes irritados e os dramas começam a extinguir amizades antigas. Perdemos alguns amigos e fazemos novos amigos para passar o tempo.

Depois ficamos adultos e entramos para a faculdade ou arranjamos emprego, temos relacionamentos amorosos e entretanto há mais amigos que se perdem porque vão para outras faculdades ou têm relacionamentos também, e torna-se tudo muito diferente. Ainda assim não acho justo que se deixarmos de ter contacto com algumas pessoas que fizeram parte da nossa vida, que exageremos as coisas a ponto de denegrir a imagem dessas mesmas pessoas.

Embora já não fale tanto com as pessoas que conheci quando tinha seis, dez ou quinze anos, não quer dizer que na altura não fosse amiga dessas pessoas ou que essas pessoas nunca se tenham preocupado comigo. É um estranho método de nos assegurarmos acerca do nosso próprio valor, pensarmos que se alguém já não está em termos de amizade é porque “nunca se preocupou”. É uma falsa verdade e algo que tem necessariamente de ser substituído pelo pensamento de que talvez, realmente, se fossemos agora bater à porta de uma dessas amizades que conhecemos quando tínhamos dez anos, não teríamos nada em comum e seria extremamente desconfortável socializar com essas pessoas.

Nós somos seres que estamos em permanente mudança; não é justo sermos julgados pela nossa liberdade de mudar só porque as outras pessoas precisam de se auto-afirmar como seres humanos.

Crónica de Carla Vieira
Foco de Lente