As FAQ do t2 – Mara Tomé

Resolvi criar o texto desta semana em forma de FAQ, pelo menos, as que mais vezes me chegam ao email e/ou caixa de comentários (fica de fora a FAQ mais feita de sempre: como comecei a notar que algo não estava bem)

Onde são as consultas de desenvolvimento ou de autismo? Hospital? Privado ou público? 

As nossas são num Hospital público: Hospital Pediátrico de Coimbra, Centro de Desenvolvimento, Consultas de Autismo e Neurodesenvolvimento.

Os passos que segui foram os habitualmente burocráticos: marquei consulta com o médico de família a quem falei das minhas dúvidas e receios, ele próprio achou que não era normal ter piolhas com quase 3 anos a falar pouco mas a falar um inglês perfeito entre elas e a saber fazer coisas muito dificieis de forma autónoma e as simples não serem feitas. Passou uma credencial (P1) para as consultas de desenvolvimento no hospital central (o Hospital Pediátrico de Coimbra). Aguardámos alguns meses e fomos chamados para as tais consultas de desenvolvimento onde, a partir da observação das piolhas e algumas avaliações, se suspeitou de perturbação do espectro autista e se referenciou para entrada dos processos na Unidade de Autismo. Foi nestas consultas da especialidade que se confirmou e fechou o diagnóstico.

Porque é que tomavam medicação?

A maioria das pessoas que me tem contactado ou que comenta não é muito adepta da risperidona. E com alguma razão porque é um medicamento muito agressivo e dado a doentes esquizofrénicos e blá blá blá. Mas, e repito, mas, isso é em doses normais. A dose que as piolhas tomavam era muito baixa 0,3 ml. É tão dificil marcar isto numa seringa por ser tão baixa. E começaram com 0,1! Aumentou-se para 0,3 pouco depois por causa do peso mas, neste momento, se seguissemos as indicações da bula, deveriam tomar 3 e não 0,3.

Eu e o pai aceitámos a medicação nestas condições: dosagem mínima possível e o mínimo de efeitos secundários e nada de zombies em casa. Aceitámos pelas seguintes razões:
– minimizou imenso os efeitos da ansiedade: maus sonos, diarreias constantes, estômagos irritados e muitos vómitos, maior controlo dos momentos de concentração, menor agitação a nível global. E explico: passaram a ter mais momentos de concentração o que lhes permitiu uma maior apreensão das coisas que trabalhamos com elas e com maior qualidade, continuam agitadas a ponto de muita gente me perguntar se são hiperativas (daí se vê!) mas já não trepam às paredes (não estou a exagerar) nem usam gavetas como escadas para chegar à prateleira mais alta  da sala; já não desarrumam tudo sem saber por onde começara  brincar mas têm uma necessidade brutal de correr e correr e pular e pular e gritar. E, quando essa necessidade está satisfeita, passa. A risperidona não as transformou, apenas as aliviou um pouco. Continuo a notar que a maior diferença, a mais visível de todas e a que mais diferença marcou foi o fim das diarreias constantes. Foi um alivio para todos. Elas deixaram de andar tão cansadas, as dietas alimentares pobres em gorduras e lacticínios e afins acabaram, o rabo assado acabou, o desperdício de fraldas foi muito minimizado (antes do desfralde total). E isto valeu mais que ouro. Esta mudança notei-a em apenas 2 dias. O resto já demorou mais a notar, claro.
Porquê fazer análises? Com o tipo de sangue dá para saber se o autismo é “herdado” do pai ou da mãe?
As análises genéticas eram um 2 em 1: a possibilidade de estudos avançados em gémeas monozigóticas (não foi preciso dizerem-me, eu sei disto) e saber mesmo se haveria mesmo algum gene defeituoso. O irónico é que alguns estudiosos com quem contactei me afiançaram que estas análises não iriam dar em nada… Anyway, bastou tirar sangue (uma quantidade acima do normal do que o necessário para análises de rotina) e encher um copinho com urina. O objetivo era saber se haveria algo que indicasse uma presença de autismo nos nossos genes (que não tem necessariamente a ver com herditariedade: podemos ser portadores de um gene – bom ou mau – que não passamos aos filhos – olhos azuis, doenças, etc.). Acho que não tem a ver com o tipo de sangue. Autismo é autismo em pessoas do tipo A+ ou O-.
Tencionavamos saber se haveria um risco de virmos a ter outro filho com autismo. Sim, há esse risco. Usando as palavras do médico, “no nosso saco estão 3 bolas vermelhas e as restantes pretas. Pode sair uma vermelha…”. Mas esse risco também existe na minha irmã, na minha vizinha, na sra da limpeza das escadas, na secretária da escola, etc. Tem a ver com a percentagem que existe na população. Ou com o meio ambiente. Ou com a medicação tomada em alguma altura da gravidez. Ou com a prematuridade. Ou ou ou…

E o que fazem nas consultas de genética?

Para já, não colocamos a hipótese de nova gravidez (embora, por vezes, queira, mas tenho que pensar nas piolhas e na nossa situação profissional e financeira do momento).

Calculo que, acima de tudo, haja aconselhamento genético ao casal e um maior e melhor seguimento da gravidez, se for caso disso, com recurso a exames mais frequentes e orientados.

Informações disponiveis em http://www.chc.min-saude.pt/Downloads_HSA/CHCoimbra/servicos/genetica/infoutentes/informacoesuteis.pdf

Como é que vocês distinguem uma birra normal de uma autista?

Inicialmente não era fácil porque pareciam todas iguais mas, à medida que o tempo foi passando, comecei a verificar que as birras normais eram menos frequentes do que as autistas (nome técnico: meltdown)… Agora é o oposto, felizmente!

Aquilo que me chama mais à atenção numa birra e me faz notar a diferença tem a ver com o comportamento e a intensidade:

– choro real (não fingido nem barulhento ou sem lágrimas), lágrimas com fartura, muitos gritos e guinchos;

– handflapping no começo da birra e do choro ou outra estereotipia (arrancar cabelo);

– atirar ao chão com violência e bater com a cabeça sem notar ou indicar dor;

– olhar vidrado e perdido;

– pulsação muito acelerada, corpo transpirado;

– acesso descontrolado de vómitos;

– duração do episódio acima do normal: 20 minutos era o mínimo mas chegaram a fazer uma birra de 3 dias (só paravam para comer um pouco e dormir cerca de 20 minutos);

– dificuldade extrema em acalmar a birra, nada parece resultar, nem chantagem, nem negociações, nem o peluche ou a comida/doce preferido.

– final extenuante: no final da birra, o corpo fica mole, tranpirado e muito cansado e o olhar vazio.

Neste momento, as birras delas são assim:

– choro de cerca de 15 a 40 minutos, quando a frustração é imensa MAS associada a outros fatores como cansaço ou sono;

– depois de algumas lágrimas, o tom do choro soa a forçado e as lágrimas custam a correr;

– acalmam e passam depois de negociação ou ameaça

– se estiverem bem com elas próprias, ouvem-nos e acalmam-se por si mesmas

– não há guinchos nem gritos como antes e muito menos automutilação

– já não há a tendência do atirar ao chão

– batem o pé (quando vi isto pela primeira vez, ri-me. Foi tão “normal”!)

Posso não ter sido muito específica mas é o que vejo e o que sinto. Estas birras recentes não me assustam nem me preocupam; limito-me a ignorá-las depois de lhes falar. Quando a birra não é “normal”, fico muito apreensiva e o coração diminuiu para 1cm. Sente-se logo que ali algo que não está bem.

Espero que este texto – que em nada se parece com uma crónica – sirva para mostrar um pouquinho mais do que foi/é/será o nosso mundo, quando o nosso mundo não é o mundo que idealizámos.

Crónica de Mara Tomé
T2 para 4