Resolvi criar o texto desta semana em forma de FAQ, pelo menos, as que mais vezes me chegam ao email e/ou caixa de comentários (fica de fora a FAQ mais feita de sempre: como comecei a notar que algo não estava bem)
Onde são as consultas de desenvolvimento ou de autismo? Hospital? Privado ou público?
As nossas são num Hospital público: Hospital Pediátrico de Coimbra, Centro de Desenvolvimento, Consultas de Autismo e Neurodesenvolvimento.
Os passos que segui foram os habitualmente burocráticos: marquei consulta com o médico de família a quem falei das minhas dúvidas e receios, ele próprio achou que não era normal ter piolhas com quase 3 anos a falar pouco mas a falar um inglês perfeito entre elas e a saber fazer coisas muito dificieis de forma autónoma e as simples não serem feitas. Passou uma credencial (P1) para as consultas de desenvolvimento no hospital central (o Hospital Pediátrico de Coimbra). Aguardámos alguns meses e fomos chamados para as tais consultas de desenvolvimento onde, a partir da observação das piolhas e algumas avaliações, se suspeitou de perturbação do espectro autista e se referenciou para entrada dos processos na Unidade de Autismo. Foi nestas consultas da especialidade que se confirmou e fechou o diagnóstico.
Porque é que tomavam medicação?
A maioria das pessoas que me tem contactado ou que comenta não é muito adepta da risperidona. E com alguma razão porque é um medicamento muito agressivo e dado a doentes esquizofrénicos e blá blá blá. Mas, e repito, mas, isso é em doses normais. A dose que as piolhas tomavam era muito baixa 0,3 ml. É tão dificil marcar isto numa seringa por ser tão baixa. E começaram com 0,1! Aumentou-se para 0,3 pouco depois por causa do peso mas, neste momento, se seguissemos as indicações da bula, deveriam tomar 3 e não 0,3.
E o que fazem nas consultas de genética?
Para já, não colocamos a hipótese de nova gravidez (embora, por vezes, queira, mas tenho que pensar nas piolhas e na nossa situação profissional e financeira do momento).
Calculo que, acima de tudo, haja aconselhamento genético ao casal e um maior e melhor seguimento da gravidez, se for caso disso, com recurso a exames mais frequentes e orientados.
Informações disponiveis em http://www.chc.min-saude.pt/Downloads_HSA/CHCoimbra/servicos/genetica/infoutentes/informacoesuteis.pdf
Como é que vocês distinguem uma birra normal de uma autista?
Inicialmente não era fácil porque pareciam todas iguais mas, à medida que o tempo foi passando, comecei a verificar que as birras normais eram menos frequentes do que as autistas (nome técnico: meltdown)… Agora é o oposto, felizmente!
Aquilo que me chama mais à atenção numa birra e me faz notar a diferença tem a ver com o comportamento e a intensidade:
– choro real (não fingido nem barulhento ou sem lágrimas), lágrimas com fartura, muitos gritos e guinchos;
– handflapping no começo da birra e do choro ou outra estereotipia (arrancar cabelo);
– atirar ao chão com violência e bater com a cabeça sem notar ou indicar dor;
– olhar vidrado e perdido;
– pulsação muito acelerada, corpo transpirado;
– acesso descontrolado de vómitos;
– duração do episódio acima do normal: 20 minutos era o mínimo mas chegaram a fazer uma birra de 3 dias (só paravam para comer um pouco e dormir cerca de 20 minutos);
– dificuldade extrema em acalmar a birra, nada parece resultar, nem chantagem, nem negociações, nem o peluche ou a comida/doce preferido.
– final extenuante: no final da birra, o corpo fica mole, tranpirado e muito cansado e o olhar vazio.
Neste momento, as birras delas são assim:
– choro de cerca de 15 a 40 minutos, quando a frustração é imensa MAS associada a outros fatores como cansaço ou sono;
– depois de algumas lágrimas, o tom do choro soa a forçado e as lágrimas custam a correr;
– acalmam e passam depois de negociação ou ameaça
– se estiverem bem com elas próprias, ouvem-nos e acalmam-se por si mesmas
– não há guinchos nem gritos como antes e muito menos automutilação
– já não há a tendência do atirar ao chão
– batem o pé (quando vi isto pela primeira vez, ri-me. Foi tão “normal”!)
Posso não ter sido muito específica mas é o que vejo e o que sinto. Estas birras recentes não me assustam nem me preocupam; limito-me a ignorá-las depois de lhes falar. Quando a birra não é “normal”, fico muito apreensiva e o coração diminuiu para 1cm. Sente-se logo que ali algo que não está bem.
Espero que este texto – que em nada se parece com uma crónica – sirva para mostrar um pouquinho mais do que foi/é/será o nosso mundo, quando o nosso mundo não é o mundo que idealizámos.
Crónica de Mara Tomé
T2 para 4
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