Autárquicando por aí…

Eram 7 horas da manhã. O despertador faz o seu papel, aquilo para que fora concebido, e acorda o seu fiel proprietário. É segunda-feira e isso serve como vaticínio de mais uma semana laboral que se principia. A música que é disparada pela coluna do minúsculo despertador de apenas 5 euros de valor teima em não cessar enquanto não é pressionado o botão. Após vários resmungos — a fazer lembrar um idoso com as suas famosas dores nas cruzes originadas por uma vida de trabalho e esforço exagerado — o botão é pressionado e a música cala-se.

“Vamos lá! O que tem de ser tem muita força!” — exclama Ricardo, a tentar enganar o próprio corpo.

Após o ritual matinal de limpeza e evacuação na casa-de-banho de tudo o que está a mais no organismo, eis que chega a hora de sair de casa, entrar no carro e fazer-se à estrada em direção ao trabalho. O percurso fazia-se relativamente rápido e, por isso, não existia a necessidade de sair de casa com muita antecedência. Assim que andou 100 metros, Ricardo depara-se com o primeiro obstáculo. Obras que tinham encerrado completamente a estrada e obrigavam a um pequeno desvio. Juntamente com o sinal de desvio, Ricardo deparou-se igualmente com aquilo que parecia ser uma pequena fila de carros, mas que rapidamente se apercebeu que se tratava de uma enorme fila. 10 minutos depois, e lá estava o primeiro obstáculo ultrapassado.

Ricardo sabia que já iria chegar atrasado ao trabalho e deu por si a reprovar a sua ideia de sair de casa para o trabalho tão em cima da hora. Mas não seria preocupante, com toda a certeza conseguiria recuperar o tempo que iria chegar atrasado. Só que, mais à frente no percurso habitual para o trabalho, eis que se depara com mais uma obra que, uma vez mais, obrigava a um desvio para poder prosseguir viagem. Ricardo respirou fundo e lá seguiu as indicações para poder contornar aquela obra e seguir o seu caminho até ao trabalho. Desviou-se tanto do percurso natural e rotineiro que deu por si perdido. Com alguma sorte, lá conseguiu retomar o caminho certo para o trabalho.

Já num estado irritadiço ligeiramente elevado, Ricardo resmungava com o facto de ter de lidar com tantas obras e desvios logo àquela hora da manhã, o que iria obrigar a ter de se desculpar por chegar atrasado ao trabalho — algo que nunca tinha acontecido anteriormente. Quando estava praticamente a chegar ao seu destino, eis que Ricardo se depara com mais uma fila enorme de carros.

“Porra! Espero que não seja mais uma porcaria de uma obra com mais uma porcaria de desvio!” — exclamou, exaltado e revoltado com a forma como estava a principiar aquela semana.

Para seu espanto, tratava-se de mais uma obra que estava a provocar mais uma fila e que, uma vez mais, o iria atrasar ainda mais. Mas o que se estaria a passar naquela segunda-feira, para existirem tantas obras a decorrer ao mesmo tempo. Na semana anterior, não existiam obras no seu percurso natural de casa até ao trabalho e vice-versa. Mas por que raio se lembrariam todos de principiar obras naquela segunda-feira.

Finalmente, avistou o trabalho. Estacionou o carro à pressa e saiu a correr disparado para tentar minimizar ao máximo o tempo perdido com tantas obras e desvios. À entrada da empresa, estava um aglomerado de pessoas munidos de uns coletes amarelos florescentes.

“Ai, caraças! Tu queres ver que a empresa também está em obras? Era só o que mais faltava…” — pensou Ricardo, surpreso com tal visão.

Mas, só quando se aproximou daquele grupo florescente, percebeu que não se tratava de mais uma obra, mas sim aquilo que pareciam ser militantes de um partido a distribuir panfletos por causa das autárquicas. Uma das pessoas disse-lhe “Bom dia, amigo” e estendeu um panfleto na sua direção e foi aí que Ricardo explodiu:

“BOM DIA, O CATANO! BOM DIA, O CARAÇAS! POR CAUSA DE VOCÊS LEVEI 45 MINUTOS DE CASA AO TRABALHO, QUANDO NA VERDADE COSTUMO LEVAR APENAS 10 MINUTOS! VOCÊS E A PORCARIA DAS OBRAS! SÓ FAZEM OBRAS QUANDO CHEGA A ALTURA DAS AUTÁRQUICAS! O RESTO DO ANO QUE SE LIXE, NÃO É? DEVIAM TER VERGONHA NA CARA, MAS É!”

“Ok, amigo… Tem toda a razão, mas… nós somos apenas uma associação de ajuda aos mais necessitados e estamos só…”

“TCHIII! INCRÍVEL! VOCÊS SÃO CAPAZES DE TUDO SÓ PARA ANGARIAR VOTOS! INCRÍVEL! FIQUEM SABENDO QUE NÃO VOU VOTAR EM VOCÊS, APESAR DE NEM SABER QUAL É O VOSSO PARTIDO!” — retorquiu Ricardo, exaltando e dirigindo-se ao interior da empresa.

Mais tarde, depois de explicar o motivo do atraso, o seu chefe diz-lhe:

“Pois, isso das autárquicas é sempre a mesma história. É verdade, vai ajudar aquela associação de ajuda aos mais necessitados que estão à porta da empresa a distribuir panfletos? Foi a minha esposa que criou aquela associação…”

Ricardo paralisou, respirou fundo e só conseguiu balbuciar as seguintes palavras:

“Raispartam as autárquicas…”