“Cala-te, Carla!” – Carla Vieira

Antes de entrar para a faculdade, eu era uma pessoa muito calada. Era por natureza tão caladinha, que quando ia sair com amigos, raramente entrava nas conversas; não porque não gostasse dos temas, mas porque não achava que tivesse nada de pertinente para dizer. Ora um dia estava na companhia dos meus amigos e um deles de repente vira-se para mim e diz: “Cala-te, Carla!

Como é óbvio, eu fiquei completamente aparvalhada porque não tinha dito nada. Era exactamente essa a piada, para quem não entendeu. Eu passava tanta parte do meu tempo sem abrir a boca, que chegou ao cúmulo de ele fazer esta piada, que se tornou algo recorrente.

Ora, eu continuo sem falar muito. Desse hábito ninguém me tira porque sinto-me muito mais confortável a escrever do que alguma vez me sentirei a expressar oralmente. Eu não sei o quão normal isto é porque sempre que vejo filmes as pessoas têm uma necessidade inerente de debitarem tudo o que lhes vem à alma em completo contacto ocular com a outra pessoa. O que eu acho terrível, mas isto dito por uma pessoa que nem apresentações em público consegue fazer não deve ter muita credibilidade.

Tenho a dizer, em minha defesa, que embora pouco fale e nada diga, orgulho-me de ser uma pessoa com alguma inteligência. E por alguma digo acima da média. Vá, acima de muita gente. A arma que uso realmente é a palavra escrita mas isso em nada desmente as capacidades do meu cérebro. Aliás, até ajuda porque na internet ninguém me vê a mexer os dedos em movimentos circulares enquanto vasculho na minha cabeça a palavra adequada para explicar o meu ponto de vista (e vocês nem imaginam a quantidade de vezes que isto acontece enquanto estou a escrever crónicas. Sim, esta também).

Ora, como além deste meu impedimento, também estou inserida em círculos de amigos em que toda a gente respeita as opiniões dos outros ou tentamos ter conversas sérias mas acabamos a fazer piadas que nos vão com certeza garantir um lugar bem quentinho no inferno, a única altura em que posso livremente dar-me ao luxo de debater é quando estou sentada em frente ao portátil a ler artigos na internet. Mas criaturas, este hábito é tão masoquista, mas tão, tão masoquista, que nem consigo explicar muito bem por que é que continuo a insistir no mesmo. Mas insisto, porque gosto de aprender coisas novas e quando alguém é induzido em erro, gosto de corrigir esse erro.

Obviamente este tipo de comportamento não cai bem a todos. E perguntam vocês “mas porquê?” e eu respondo, “meus amigos, há gente muito burra por aí!” E porque há gente tão densa que nem madeira sem caruncho, aí sim, eu acho que às vezes me meto em buracos extremamente fundos.

E é por isso que ainda hoje quando escrevo coisas controversas, ouço a vozinha do meu amigo aqui nos recônditos da minha mente a ecoar as palavras mágicas: “Cala-te Carla!

E digo-vos, quem me dera ter a capacidade de me calar nessas alturas.


Crónica de Carla Vieira
Foco de Lente