Carta aberta aos Portugueses – Francisco Duarte

(NOTA: Este texto já foi escrito por mim há uns anos, no decorrer de uma série de discussões que se espalharam desde Coimbra a Aveiro e que, incrivelmente, se mantém actual sem serem necessárias modificações reais. Aos meus leitores mais assíduos, peço desculpa pelo tom altamente politizado da crónica desta semana, mas estamos numa altura em que ninguém pode ficar indiferente ao que decorre no nosso país, e em que se pedem soluções todos os dias. Não sei se este texto as terá, mas espero que, pelo menos, vos faça pensar.)

A todos os portugueses,

Antes de começar a explorar as ideias que o título desta carta aberta apresenta, creio que me deveria apresentar. Chamo-me Francisco Duarte, tenho 27 anos, e estudei Antropologia Médica na Universidade de Coimbra. Não sou, nem tenho a ilusão de me considerar, um grande pensador. Se forem à minha página de Facebook, verão vídeos, comentários e ligações de Internet que roçam o triste e o alegre, o violento e o ridículo. E tudo isso porque sou apenas um ser humano, e um cidadão deste nosso Portugal, segundo tudo o que tal representa. Como tal, tenho seguido a vida política do nosso país com preocupação, já desde há alguns anos. Vejo o clima de instabilidade e as medidas tomadas por sucessivos governos, filhos de sucessivas crises, como quase insuportável, algo que ameaça o futuro estável a curto e médio prazo, e coloca o a longo prazo sob uma nuvem escura e turva.

As razões para tal são diversas e, na sua natureza comum, complexas. Mas podemos resumir a falta de vontade política em resolver estas questões que nos assombram a uma série de questões-chave. Primeiro, existe uma elite política que domina este país desde pouco depois da revolução de 25 de Abril de 1974. Embora não deva dizer que os membros desta classe sejam, em si, responsáveis absolutos pelas dificuldades que temos passado e que nos assombram no futuro, o facto é que pertencem a uma série de grupos fechados que se aglutinam em volta dos ganhos, políticos e financeiros, das posições de poder. Quem quer que venha de outros grupos, terá de se reunir em redor destes centros de poder político, de modo a conseguir subir na hierarquia. Por muito boas que sejam as suas intenções, acabam por se ver bloqueados pelo sistema, e o sistema bloqueia. Sonhos de melhorias financeiras e políticas são limitados pela força exercida por famílias poderosas, Ordens, e grupos afins.

O que, por sua vez, nos leva à segunda questão. A corrupção é uma doença de muitas sociedades, e, na nossa, é crónica. Todos os escândalos que marcam diariamente as nossas televisões e jornais provam isto, como o poder dos grupos de pressão política é exercido para desviar recursos públicos com vista ao ganho privado. Novamente, isto não é inédito, e faz parte da chamada dinâmica de organização de poder, algo partilhado por todas as sociedades humanas, simples e complexas. Isto pode, contudo, exercer uma influência limitada e contida. Isso não é o que sucede em Portugal, em que a escala e complexidade da corrupção atingiram níveis críticos, colocando na esfera das faccões que afectam o governo empresários, banqueiros, médios, advogados, militares, polícias, e até equipas de futebol. Isto é inusitado e tem de parar.

Assim como as mudanças de frotas automóveis sempre que se muda de governo, e outras despesas desnecessárias, muitas resultantes da influência desta corrupção epidémica. Ao que se chega à terceira questão. A falta de vontade política de resolver, de modo definitivo e correto, os problemas nacionais. Também este é um problema complexo, mas pode-se racionalizar que quando uma classe política ganha gordos salários de modo oficial, e ainda tem o dinheiro obtido pela corrupção, a vontade de ponderar seriamente os problemas das massas não será uma prioridade. Talvez mais importante, a ânsia de alcançar lugares cimeiros de modo a conseguir obter-se ganhos de ordem financeira e política criou uma classe de dirigentes ocupados em politiquices mesquinhas, procurando derrubar-se, para assim poderem ascender ao poder de modo consecutivo, sem cuidado com os problemas de ordem nacional. O país está entregue ao saque da corrupção, e, visto que os partidos, entre si, estão ocupados nestes conflitos, e fazem parte do sistema estabelecido, então a procura de reais soluções será algo de prioridade baixa. Apresenta-se assim uma linha de pensamento em que as soluções para problemas de ordem financeira serão puramente cosméticas, em que PECs, PAEs e outras medidas escondem a pressa em que foram desenvolvidas e a falta de realismo acerca das suas reais capacidades. Assim, Portugal acabou numa situação de terrível crise financeira, em que mesmo tentativas honestas de resolver problemas acabaram presas no sistema, por não haver quem se lhe oponha.

O que o país precisa é de real iniciativa. Tal ciclo de corrupção e incompetência não teria sido possível, não a esta escala, se houvesse uma voz mais activa do povo lusitano. Durante décadas, este manteve-se calado, em grande parte devido às heranças do Salazarismo. A ideia de que quem tem dinheiro é que sabe, mantendo as elites ricas na sua posição, e a própria falta de habituação em expressar as opiniões, legado do regime de manutenção da mediocridade dos tempos da ditadura, estão associados à tendência de os empresários tomarem decisões baseadas nestas ideias elitistas e segundo os seus próprios padrões de ganho corrupto e, efectivamente, incompetente. Líderes de negócios e empresas, ao serem fracos gestores, acabaram por ajudar a adensar esta situação. Produtos nacionais caros não vendem, pura e simplesmente. Neste ponto não vale a pena culpar a competitividade estrangeira ou a má gerência governamental. Em vários aspectos, os portugueses têm uma grande dose de culpa em relação ao ponto em que o país chegou.

Nada disto foi inventado por mim. É perfeitamente possível ter noção destas instâncias vendo os meios de comunicação nacionais. E, assim sendo, quais serão as alternativas e soluções para tão terrível situação?

Honestamente, creio que a solução estará no seio das camadas mais jovens da sociedade. Se há coisa que as manifestações dos últimos anos têm provado, é que estas possuem um espírito de iniciativa e organização que pode ser a solução para os problemas nacionais. Se não salvar Portugal do buraco em que caiu, podem, pelo menos, ajudar a minguar os sintomas referidos acima. Para tal, creio que se parte da solução reside em construir um novo partido político, de orientação centro-liberal, que se assumisse como a voz dos jovens portugueses. Um partido formado com gente das faixas etárias dos 20s e 30s, capaz de apresentar gente competente, que desse voz aos problemas reais, e apresentasse soluções reais para os mesmos. Também esta gente teria de ser exterior aos círculos de corrupção e poder político, e, assim, assumir uma relativa neutralidade às disputas que varrem as decisões governativas nacionais. E porquê um partido de centro-liberal? Porque teria, igualmente, de ser capaz de apresentar soluções que funcionassem no mundo real, e não numa lógica esquerda-direita, que a política portuguesa costuma adoptar, sem considerar as dinâmicas mais complexas das decisões envolvidas. Tal partido teria de funcionar no mundo como ele é, sem ser toldado por falácias ideológicas ou comprometimentos por elas causados.

Evidentemente que tal partido pode ser visto como uma utopia. Por isso mesmo falo só num, e não em dois ou cinco. Por um lado, o ideal seria ver os jovens a falarem a uma só voz dos terríveis problemas que os afectam. Por outro lado, construir e montar tal partido no Portugal de hoje, seria, em si, uma empresa monumental. Seria necessária gente interessada, pelo bem do país e não dos seus bolsos, seriam necessários fundos, infra-estruturas, bases. Coisas que, na sua maioria, iriam condenar a empresa em si, logo à partida. E, no entanto, creio que seria uma visão verdadeiramente grandiosa para o país. Um partido novo, com ideias frescas, sério e empreendedor, capaz de falar pelos jovens e por aqueles que lhes podem criar emprego. Que colocasse empregados e empregadores na mesma mesa de conversação. Um partido que fizesse parte da solução, e não do problema.

Será tal, realmente possível? Eu gosto de acreditar que sim, mas para tal será necessária iniciativa e espírito de mudança. Não terá apenas de partir daqueles que o formarem, mas também dos próprios portugueses. O que precisamos não é apenas de novos líderes. Precisamos de um novo Portugal. Precisamos de portugueses com voz, com iniciativa, com ideias e competência. Pois se o futuro nos parece negro, apenas ao enfrentá-lo e querer mudá-lo é que podemos esperar encontrar um amanhã melhor e afastar as nuvens de tão grandes incertezas.

Isto está nas mãos de todos nós. Sem excepção.

Obrigado pela atenção,
Francisco Duarte


Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso