Casamentos de conveniência

O tema é já antigo. Porque casamentos de conveniência sempre houve. E até filmes sobre o assunto: o famigerado green card americano – uma metáfora para the american dream, que sempre achei não ser assim tão onírico… – as mafias de leste especializadas nesse tipo de negócio que gera milhões, ao que sei. As mafias sem ser de leste – porque as mafias têm uma geografia mais ampla.

Agora, são também as não-mafias, o cidadão vulgar do quotidiano, que são investigados até à exaustão pelos sistemas panópticos da Europa do espaço Schengen, en garde, especialmente atentos a casamentos por conveniência entre cidadãos europeus e africanos ou asiáticos.  O procedimento é de tal forma exacerbado que desgasta e fatiga o cidadão e quase o obriga a confessar o que não é verdade – só para não ser atormentado pela burocracia, tempo excessivo do procedimento, investigações, inquéritos, inquirições de testemunhas – enfim, procedimentos de carácter tautológico, que se repetem ad infinitum. E no entanto, mesmo ao nosso lado, sabemos de mais um casamento de conveniência que não é tão freneticamente investigado – porque por vezes é preciso accionar os conhecimentos certos. As famosas “cunhas” tão portuguesas. E o justo acaba por pagar pelo pecador!

De resto, presumo, aqueles que nisto trabalham, estão tão cansados da função pública mal remunerada e tristemente desfalcada a nível de recursos humanos, que contraíram há muito uma crónica miopia que os impede de ver um relacionamento de amor inter pares. Nem que o amor e a paixão lhes mordessem nas canelas.

Estas são as directivas da Comunidade; as regras para atribuição de um cartão de residente aqui no burgo e das portas abertas para uma Europa cujos destinos nos deixam cada vez mais apreensivos. Fazem os cidadãos sentir-se discriminados por terem a nacionalidade errada.

Às vezes questiono-me: que temos nós, velha Europa, que seja assim tão desejável para, sobretudo africanos e asiáticos ? E depois percebo que ainda permanece a ilusão de civilidade por aqui; emprego, casa, segurança social, condições médicas melhores…. mas aquilo que não está à vista é que a Europa não é, the European dream e o seu green card não é sinónimo de prosperidade e posição social e económica.

Tentamos com tanta veemência vislumbrar símbolos em tudo, interpretar e ler sinais, descodificar, expurgar códigos e por vezes, um casamento é apenas um casamento. Apesar de um contrato jurídico, há casamentos que se realizam por amor. Não são de conveniência. E seria conveniente que os serviços públicos que tratam destas situações, tivessem psicólogos competentes para fazer avaliações e aferições de testemunhos e declarações de cidadãos bem intencionados e honestos.

(excerto do filme Love actually, 2003, USA)