Fumar mata. Ver-te fumar matava-me.Não olhavas para ninguém. Pagavas e ias à tua vida.Eras a mulher mais bonita do Porto. Sem clichês, por favor. Tudo é discutível, bem sei.
Tu, não.
Confundias-te com a cidade.
Gémeas verdadeiras. Monozigóticas. Daquelas que vestem as mesmas roupas e têm, ambas, 37 sardas na bochecha direita.
Eras a personificação da Invicta. Da parte boa e da parte má.
Sabes, Catarina, quando ganhei coragem para te pedir para te tirar uma fotografia, nunca pensei que aceitasses. Ficava contente com um “não”. Por mais seco que fosse. Podia até ser um “não” déspota. Uma reacção tua bastava-me. O meu amor-próprio não era prioridade.
Tu, sim. Vinhas da direita.
Quando disseste que sim, quis que tivesses dito não.
Engasguei-me.
Desejei ter morrido quando, para fazer conversa, recorri ao tempo. Esse desbloqueador de conversa da loja dos trezentos.
Enquanto fazia de meteorologista , pedia que me dessem um tiro na rótula. O meu sonho, naqueles segundos, era partir o metatarso. Ao menos saía dali.
Quando te falava de aguaceiros, de céus pouco nublados e de tufões nas zonas altas, riste-te para mim. Melhor, riste-te de mim.
Fizeste pose.
Foi a melhor forma de me mandares calar.
Com a mão na anca, diagonalizaste o teu tronco de Afrodite e, vaidosa, fizeste beicinho para a fotografia. Muito vaidosa, ressalvo.
Fiz parágrafo mas não devia. Faltava superlativizar o vaidosa. Tu eras impressionantemente vaidosa. E é impressionante, nunca eras fútil.
Convidaste-me para um café. Sim, tu convidaste-me.
Gaguejei. Engoli trinta e sete quilolitros de saliva. A seguir ganhei coragem e disse-te que não.
Agradecia o convite, mas via-me forçado a recusar porque a cafeína fazia-me mal à hérnia.
Franziste o sobrolho. Não cedi.
Foi a tua vez de gaguejar. Mantive o ar sério e a tua auto-estima foi para as urtigas.
Por momentos, pareceste-me humana.
Inverti a ordem dos factores. Fiquei por cima.
A seguir, aceitei.
Enquanto te ouvia, mostrava-te as minhas mãos vazias.
Com elas em concha, pedia-te, com os olhos, que gostasses de mim.
Sabes, tinha 34 anos e não me sentia assim há 34 anos e 4 meses. Era uma espécie de tranquilidade eufórica.
Lembro-me que só quando flutuava no líquido amniótico da minha mãezinha me tinha sentido assim.
Em paz e desassossego!
Tu desafiavas as probabilidades. Não tinhas um sorriso bonito, porque tu não tinhas um sorriso.
Tinhas infinitos. E ainda mais outros.Todos me causavam apneia.
Adormeceste a ouvir o que saía das cordas vocais do Percy Sledge, comigo ao volante.
Era noite e eu ziguezagueava e calcava linhas contínuas para te poder olhar.
No rádio, o Percy cantava, em “repeat”,
When a man loves a woman
Can’t keep his mind on nothing else
He’ll trade the world
For the good thing he’s found
If she’s bad he can’t see it
She can do no wrong
Turn his back on his best friend
If he put her down
E eu via-te dormir, Catarina Bailarina…
Não ouvíamos a mesma canção. Antes de te conhecer já o sabia. Partiste.
Eu, não!
No nosso portefólio, guardo tudo. Abraços num lençol encorrilhado, interjeições, feições, e o teu ventre…
Os teus seios suados a recuperar fôlego na minha pele, os meus lábios a gritar pelos teus, e o teu ventre!
Tiago se fosse menino, Inês se fosse menina.
E o teu ventre…
Vivemos tudo à pressa. Os nossos corações, enquanto bateram, foram galopes de um cavalo louco…
O há pouco quem, no depressa e bem, fomos nós, meu bem.
Só tivemos Presente, porque o Futuro não existe. É uma invenção de um engenheiro trapalhão…
O Futuro, sem ser tempo algum, é tempo que se perde no Presente.
Em nós, houve Hoje.
Arrependes-te?
Eu, não!
Saravá, Catarina…
Crónica de João Nogueira
Pés bem assentes na lua
Visite o blog do autor: aqui
Os meus amigos bloggers e cronistas que me perdoem o que vou dizer… mas dou por mim à espera dos textos do João com a mesma ânsia de há anos pela Clara Ferreira Alves e do Pina. E já li algumas do Esteves Cardoso que não me enlevam como as suas. E olhe que a malta das letras é tramada…
Fantástico, João!! Como sempre.
João, o que dizer?
Mais uma crónica que me prende e destaco …”O há pouco quem, no depressa e bem, fomos nós, meu bem.”- brilhante!
Percy Sledge, há quanto tempo…. e o tema que refere, lindo….
João ficaria por aqui mais tempo… li e reli a sua crónica várias vezes, e de cada vez, parece a primeira.
Parabéns pelo seu estilo, que me transporta para alguns momentos da minha vida, adormecidos.
Abraço com consideração e estima
fatima ramos
Ana Isabel, caramba, logo dois dos meus favoritos: o Pina e o MEC. 🙂 Muito obrigado. Há textos que correm bem, outros nem por isso. Aliás, o MEC diz que, a seguir a uma grande crónica vem uma fraquinha. 🙂 obrigado por ler, pelas palavras sempre sampáticas e viva nós, a malta de Letras. 🙂
*simpáticas
Ana Torres Nogueira, senhora extremamente exagerada, és aquela máquina 🙂
Fátima, um abraço para si. Muito obrigado. Fico contente por gostar. Outro abraço com estima 🙂