Cinco Opiniões – Super Supermercado, Relógio Anti-crise, Ondas de Praxe, (In)Docência e Ousadia Legal

Se os Deuses fizessem greve, ousasse eu prevê-lo na crónica que assino, alguns acontecimentos desta semana, a que passou, ganhavam nova justificação. Isto, partindo do princípio da existência de uma força superior abstrata que nos dirige, qual maestro social, que equilibra o mundo, apelando metaforicamente à consciência individual de todos e de cada um. Infelizmente, fruto da inexistência do sindicato dos Deuses já previsto n’A Carta dos Toranja, a vida continua, em linha reta, desculpando-se qual reencarnação de Pôncio Pilatos, em velhas modinhas e livres-arbítrios.

Concretamente, a semana que passou, não fosse a crise, o Circo de Luz do Terreiro do Paço e as críticas à arbitragem, teria sido normal – já com limite alargado- mas normal. Porém, há ocorrências que, mesmo num ambiente societário saudável e evoluído, não passam despercebidas e merecem opinião. Por outro lado, em Portugal, tudo merece uma opinião, desmistificadora ou confusa, argumentativa ou reflexiva, um qualquer meio para se conseguir explicar os bizarros contornos de determinados incidentes. Por cá, na semana transacta, perdi-lhes a conta. Por aqui, proponho-me a analisar cinco dos mesmos…

1 – Protestos no Supermercado

Muito se falou na comunicação social, não fosse o aproveitamento sensacionalista que as televisões e jornais menores (sim, porque há jornais menores) fazem deste tipo de situações, do caso de um individuo desempregado que se dirigiu a uma determinada cadeia de supermercados com sede fiscal na Holanda, mais conhecida como Pingo Doce, solicitando ajuda alimentar de um quilograma de arroz. Qual o seu espanto, tanto quanto o nosso, quando a gerência do estabelecimento lhe oferece um cabaz completo.

A atitude, de tão digna e solidária que foi, mereceu (e merece) aplausos por parte de toda a comunidade, que, nesta época, sabe o quão importante é para as famílias ter um Natal minimamente confortável. Por outro lado, a própria cadeia de supermercados, com esta atitude, afasta (temporariamente) os holofotes de outros escândalos em que está envolvida.

Até aqui, história feliz! Todavia, sucede-se que, como aliás tem sido avançado massivamente pelas agências de comunicação, vários grupos de desempregados se dirigiram ao supermercado em questão, solicitando como quem diz exigindo, um mesmo cabaz, proferindo palavras de ordem na luta pela igualdade de oportunidades.

Não há palavras. Honestamente, não sou capaz de compreender o que passa pela cabeça destas pessoas para protestarem à porta de um supermercado por estes motivos. O desespero é muito, os tempos são claramente difíceis, mas exigir igual tratamento?!

Por fim, fica no ar a verdadeira reflexão a fazer. Será que num tempo de crise a solidariedade ganha contornos de obrigação prática? Será exigível ajudar quem mais precisa? Na minha ótica, não. A obrigação de se ser solidário fica apenas pelo plano ético. É moralmente correto ser-se solidário, na medida das possibilidades de cada um. Mais que isso, é corromper o sentido da própria solidariedade.

2- Contagem decrescente para saída da Troika – O relógio de Portas

Em política, para além de transparência, oratória, retórica e outras infinitas características de grande utilidade, não pode ficar de fora um quê de populismo. Uma linguagem cuidada com pequenas doses de corriqueirismo, uma postura pouco saudosista e mais afável e claro, grandes iniciativas e projetos inovadores sem qualquer conteúdo real são basilares na eficácia do voyeurismo político.

Porém, porque há sempre um porém, há determinados preceitos éticos que se devem preservar, como por exemplo o de ‘’não atirar areia para os olhos do eleitorado’’, porque lá no meio há sempre um ou outro que consegue identificar a jogada.

Desta feita, Paulo Portas, enquanto presidente do CDS-PP, protagonizou, com a inauguração do relógio de contagem decrescente para a saída da troika do nosso país, uma violação desse preceito, uma tentativa de despiste das questões realmente importantes e um dos momentos mais tristes da semana. Não bastavam as feiras, os arraiais e as exposições de artesanato locais para se assumir como o político mais populista em funções no nosso país, como agora, com o seu ‘’contador anti-crise’’, procurar a consolidação do título.

Por aqui, espero que Portas saiba o que dizer quando o relógio estiver a zeros, assim como a sua popularidade.

3- A tragédia que é a cobertura informativa de tragédias: O caso do Meco

Esta semana foi marcada por mais uma tragédia marítima, quando um grupo de sete jovens, estudantes da Universidade Lusófona, em Lisboa, foi arrastado pelo mar na Praia do Meco. Apenas um se salvou, quatro continuam desaparecidos e a comunicação social resolve aproveitar-se da questão para criticar tradições.

De facto, não demorou até os media começarem com conspirações mesquinhas sobre os contornos do caso. Depois de noticiarem o incidente que envolveu sete estudantes universitários que, como supra referido, se encontravam de madrugada na Praia do Meco, envergando Capa e Batina (vulgo traje académico), divulgam também, sem qualquer sentido de oportunidade e de relevância jornalística, revelando ainda um tremendo desconhecimento da realidade que é a tradição académica, que se encontravam em actividades praxísticas. Claro que quem comenta o caso por essas paragens de autocarro fora, para além de comentários de pesar, nota também que ‘’a Praxe académica é a culpada. Se não fosse a Praxe ainda cá estavam…’’ entre outros.

Sinceramente, não consigo qualificar este tipo de insinuações. É lógico, para quem conhece minimamente a tradição académica, que não estavam sete pessoas em praxe. É básica a premissa de que, muito provavelmente, não se praticam actividades praxísticas numa praia de madrugada com condições marítimas claramente desfavoráveis. É, no mínimo, irrelevante para quem lê e se quer informar sobre o caso, se os estudantes se encontravam em praxe ou sequer o que tinham vestido.

No fim de contas, morreram seis jovens que certamente não merecem este tipo de jogadas mediáticas por parte da comunicação social. As minhas condolências às famílias.

4- Docentes não querem ser avaliados!

Este é um daqueles assuntos que, em minha opinião, não merece tão grande debate quanto se lhe atribui. Merece sim grande lamentação. Os professores não querem ser avaliados. Ponto. Estão habituados a avaliar. Ponto. A simples ideia de se colocarem do outro lado, ao realizar um exame que, por mais que esteja mal formulado, faz sentido existir, aterroriza-os. Noutro espaço, como por exemplo uma conversa de café informal, diria que os professores só não são um dos maiores lobbies em Portugal porque não têm força para o ser. Aqui acho que não o devo dizer, mesmo já o tendo feito. Todavia, vontade não me falta.

Desmistificando alguns preconceitos, o exame em causa apenas atinge os professores contratados com menos de cinco anos de serviço, ou seja, professores contratados com pouca ou nenhuma experiência letiva. É assim tão inconcebível realizar um exame para professores, só porque, como um candidato a docente em greve dizia numa pequena entrevista vox pop ‘’já estudaram cinco anos na faculdade, já fizeram estágio pedagógico por isso não é este exame que os ditará professores!’’? Então e os advogados, os economistas, entre outros? Não têm de fazer um exame à ordem? O exame dos professores assume essa função. Filtrar. No entanto, em vez de se candidatarem a uma ordem de professores, são testados à entrada no ministério.

Por outro lado, as figuras que alguns candidatos a docentes fizeram nas salas de exame aquando do boicote ao mesmo foi, no mínimo, humilhante para os profissionais de educação. Pergunto-me com que cara é que algum dia ousaria ‘’controlar’’ uma turma depois de andar naqueles preparos…

Até quando continuarão os boicotes ao exame de professores? Não sei, mas estou ansioso para assistir, qual génio do mal.

 

5- Know How Jurídico: As Advogadas

Outro assunto que tomou proporções bem maiores que aquelas que merecia foi o do mediático vídeo publicitário ao escritório de advogados Maria do Rosário Mattos e Associados.

Para quem não viu, o spot publicitário do escritório que se autodenomina como boutique law firm, consiste em cinco mulheres, advogadas da firma, que se passeiam pelas ruas de Lisboa, promovendo os seus conhecimentos e know how jurídicos, através de suaves apelos ao instinto sensual de cada um. Nada mais.

No entanto, as queixas não pararam de chover juntos dos órgãos competentes da Ordem dos Advogados, criticando o vídeo e defendendo a posição de que a estratégia utilizada viola os estatutos dos advogados no que toca ao decoro e contenção que o mesmo documento exige. Marinho Pinto, ainda bastonário da AO já veio a público afirmar que o anúncio publicitário em nada viola os estatutos e que é, ‘’no máximo, diferente do que já foi feito!’’.

Não podia estar mais de acordo. É certo que as roupas acima do joelho, o hair shaking e postura com que as advogadas se apresentam são sintomaticamente ousados. Porém, servem os exemplos do vídeo para retratar uma realidade que começas nas próprias universidades. O formalismo que a profissão exige resume a indumentária usada, uma produção de imagem cuidada, que mais não é que o normal.

Em suma, Maria do Rosário Mattos e Associados soube fazer publicidade, diferente e arriscada, mas sobretudo, empreendedora. É esta a lição. Uma modernização de meios que, infelizmente, ainda são de dinossauros.

Esta foi a minha semana, recheada de temas que mereciam e pediam comentário e opinião. A moral da história, como em todos os contos para crianças, fica para o fim. A desta história é simples. ‘’Quando os Deuses fazem greve…’’ acontecem destas coisas. Boa semana e boas festas!