Cristãos? Onde? – Carla Vieira

Não sei se dá para perceber por aquilo que escrevo, mas na verdade sou uma pessoa bastante pacífica. Sei que há assuntos que não devem ser discutidos em público porque não interessam a ninguém e as pessoas não vão mudar de opinião. Um destes assuntos é a religião. O que isto quer dizer é que pessoalmente evito opinar sobre o assunto porque dará sempre asneira e nunca vi nenhum debate religioso correr minimamente bem. Além de que, se eu disser realmente qual a minha inclinação no que toca a assuntos religiosos, é só ver velhinhas a agarrarem nos seus colares de pérolas e beijarem as cruzes.

No entanto, estava a ver as notícias há alguns dias atrás e um senhor quando foi entrevistado acerca do feriado religioso de Corpo de Deus respondeu à entrevistadora que “Ora bem, cristãos há poucos, mas para os poucos que há…

Isto incomoda-me. Aliás, incomoda-me tanto que até me apetece coçar toda só para não começar a mandar insultos à televisão sempre que me lembro de tal barbaridade. Anda por aí, pelos vistos, uma moda a pegar fogo que é a de os membros de religiões, particularmente os cristãos, de se assumirem como minorias atacadas. Não sei de onde veio esta moda nem quem a começou, mas sugiro a todos os senhores e senhoras desta religião que evitem mandar bitaites de que o mundo não é religioso o suficiente. Mais de 80% do mundo é religioso. E desses 80% convém lembrar que a maioria é católica. Vendo bem, não me parece que 80% de seis biliões de pessoas seja “pouco”. Para mim é bastante. Aliás, é mais do que o necessário, considerando que ainda existem práticas religiosas que envolvem matar pessoas “em nome de deus”.

Escuso de falar, espero eu, no quanto Portugal é tranquilo no que toca a estes assuntos. Em alguns estados da América, os ateus manifestam-se abertamente contra monumentos religiosos, dizendo que é uma falta de respeito haver monumentos públicos dedicados à religião católica. Dizem que é igual a enfiar a religião pela goela das pessoas abaixo. Isso para mim tanto me faz, vou ser sincera. Sim, implica muita dificuldade a todos os pais que queiram educar os seus filhos de uma maneira completamente não-religiosa, mas isso já são outros assuntos.

Ora, os ateus e agnósticos Portugueses não andam aí a queixarem-se dos feriados religiosos. Não interrompem as celebrações e paradas públicas nem vão à igreja impedir a missa para gritar que deus não existe. É muito bonito engolir patranhas e baptizar as criancinhas e obrigar os filhos a fazerem as comunhões todas porque sim, mas não obstante isso não chega e há que usar a carta da vítima na televisão nacional.

Pois bem, se a maioria se portar como a minoria, suponho eu que esteja tudo estragado, até porque dada a mentalidade de algumas pessoas para a diversidade religiosa (ou não), existe claramente uma apetência natural para não se dizer “sou ateísta/agnóstico” em voz alta a não ser quando se está num contexto social de amizade. Não que os ateístas e agnósticos precisem de se afirmar de tal maneira. Mas seria bonito se pudessem.

Crónica de Carla Vieira
Foco de Lente