Curiosidade marciana – Francisco Duarte

Neil Armstrong disse uma vez que o “mistério cria a assombro e o assombro é a base do desejo do homem para compreender.” Se não estou em erro, a primeira sonda a poisar na superfície de Marte foi a americana Viking Lander, em 20 de Julho de 1976, largada da sonda orbital Viking Orbiter que a transportara. A importância de tal feito não poderá realmente ser diminuída. Para além do facto evidente que tal representou um admirável feito de engenharia, a simples realidade de se colocar tal aparato de estudo científico na superfície de um mundo que tanto assombro criou na imaginação humana desde tempos imemoriais, o icónico “Planeta Vermelho”, marcava uma nova fase da exploração espacial. Uma fase que não subsistiu sem a sua dose de desapontamentos.

Já se sabia desde há algum tempo que a superfície marciana era como a de um deserto, seca e coberta de rochas quebradas. Ainda assim aquelas primeiras fotografias a preto e branco tiradas desde a superfície marciana não deixaram de ser desapontantes. Uma paisagem desoladora era tudo o que esperava os investigadores. Mais tarde tentativas de procurar as bases químicas da vida em Marte indicavam uma composição de solo em que tal não era possível, pelo menos não como a temos na Terra.

Foi um golpe algo duro, sobretudo quando se esperava que pelo menos algumas bactérias ou seres igualmente simples, pudessem subsistir. Havia toda uma cultura construída em redor da hipótese de vida em Marte, com contos de invasões vindas daquele planeta e até eventos históricos de grande relevo, como os famosos canais descritos por Giovanni Schiaparelli no fim do século XIX. Esses canais revelar-se-iam simples erros de avaliação das fracas imagens possíveis na época, e mesmo mais recentes e similares erros de ótica haveriam de manter vivas as ideias relacionadas com uma extinta (ou quiçá escondida) civilização marciana. Quem tem algum interesse pelo tema certamente que relembra a famosa ”cara” e as “pirâmides”, simples formações rochosas que jogos de sombras e esperanças transformaram em algo mais.

Em todo o caso, o facto é que a existência de vida em Marte, sobretudo de seres simples, permanece improvável, embora não impossível. A descoberta de água deu força à ideia de que possam existir formas de vida ocultas sob a superfície árida, um pouco à semelhança do que sucede na terra, em que existem seres a profundidades tão grandes como quilómetro e meio debaixo dos fundos oceânicos. Mais ainda, a existência de água serviu como suporte para ideias de exploração humana de Marte, inclusive mesmo o sonho antigo da ficção-científica de se criarem colónias habitadas naquele mundo.

O administrador da NASA, Michael D. Griffin, declarou em 2007 que a organização que levara o primeiro homem à Lua se propunha a colocar um ser humano em Marte em 2037. Para tal efeito diversos programas de exploração terão de ser postos em curso para se preparar uma tão arriscada empreitada. Apesar de não estar diretamente relacionada com esse projeto, a sonda Curiosity, a mais recente a aterrar na superfície do planeta, poderá ter um papel essencial para o tornar realidade.

A Curiosity é um rover marciano, uma máquina de seis rodas concebida para se deslocar na superfície do planeta e equipada com todo o tipo de equipamentos avançados com os quais se espera efetuar investigações nunca antes possíveis relacionadas com a presença de vida em Marte, o papel da água no planeta, assim como estudos aprofundados de geologia e climatologia. Veja-se que apesar da sua superfície seca, Marte não é um planeta estático. Tem um clima complexo, com amplas tempestades que se espraiam pela superfície, queda de neve e presença de gelo nos polos. Vales e depressões também apresentam o que se acredita serem marcas feitas pelo escoar de água líquida, e toda uma série de mistérios científicos muito mais assombrosos do antes se imaginava.

Aliás, a complexidade de Marte, do seu clima e da sua magneto esfera, são causa do falhanço de muitas das missões para lá enviadas. O “Grande Monstro Galáctico” como lhe chamou o jornalista Donald Neff, que se alimenta exclusivamente de sondas enviadas a Marte, será um dos obstáculos a ter em quanta se alguma vez for enviada uma missão àquele mundo. Se tais obstáculos poderem ser compreendidos e evitados, talvez possamos, eventualmente, ter o herdeiro de Neil Armstrong a pisar um novo mundo algures no futuro. Pois Armstrong foi o primeiro homem a alguma vez pisar um mundo alienígena, e é na curiosidade humana que tais possibilidades e sonhos são criados e um assombroso futuro moldado.


Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso