Diário de uma Divorciada – A romantização do sofrimento

Tenho o prazer único de poder partilhar a história da minha amiga Telma, contada na terceira pessoa, textos repletos de sátira, textos reveladores de uma profunda tristeza e honestidade, mas são de facto textos que detalham a vida real e a fase de mudança que a Telma está a vivenciar. Ponderei muito antes de partilhar estas palavras com os leitores mas relembrei o poder transformador que as palavras detém, se o testemunho da Telma ajudar nem que seja uma mulher a sentir-se bem com as suas decisões e escolhas, então valeu a pena.

Diário de uma divorciada  – A romantização do sofrimento

A Telma saiu de casa e trouxe consigo apenas as suas roupas, bateu com a porta a uma mulher que já não queria ser. Quantas de nós querem fazer o mesmo e não o fazem?

A mulher fala, a mulher grita, a mulher chora, a mulher implora, quando a mulher finalmente é silêncio é porque o amor acabou e não há nada, absolutamente nada, que o outro lado possa fazer, a mulher desistiu da relação para não desistir de si mesma. A mulher anda adormecida, entorpecida pelo dia a dia de merda – casa, filhos, rotina, trabalho, discussões, falta de tempo – quando desperta para a vida, para o seu eu interior, podem ter a certeza que aquela mulher não vai olhar para trás, ela renasceu e essa descoberta de si mesma é uma aventura que ela não se vai negar a viver.

A romantização do sofrimento é tema que sempre causou imensa confusão à Telma, essa história que nos vendem desde tenra idade de que a mulher tem o dom das multitarefas e somos capazes de fazer mil e uma coisas, que ter atividades em simultâneo e gerir variadas situações é capacidade inata da mulher é de uma violência colossal, mas quem é que vocês pensam que são para decidir o que devo fazer, como fazer e estabelecerem horários em mim que eu não quero desempenhar? Não criem expectativas sobre mim, pois eu não estou minimamente interessada em as cumprir, a única pessoa que pode criar expectativas sobre mim sou eu mesma!

Somos embaladas pela sociedade que temos de ser tudo e mais alguma coisa – ela é mãe, profissional, trabalhadora, mulher, amiga, nora, filha, dona de casa, cozinheira, simpática, humilde, fiel, blá blá blá…a ditadura da mulher imbatível que apesar de estar completamente exausta e absolutamente deprimida, ainda se arrasta para a escola, para o infantário, para as reuniões, para a cozinha, para a cama com o marido…sabem que mais? A Telma deixou de alinhar nessa treta da exigência social, pensem o que quiserem, ela despiu a capa de guerreira, ela não é super mulher, é mulher e isso é suficiente para ela e devia ser também para todas nós.

A Telma nunca irá esquecer a imagem de si mesma, deprimida, a chorar compulsivamente, exausta, anulada, enquanto dava a ferro cestos enormes de roupa, com o pensamento lancinante que merda é que ando a fazer à minha única vida, se aos leitores a imagem de uma mulher a chorar enquanto desempenha uma tarefa doméstica vos parece ridícula, à Telma foi suficientemente real para tomar uma decisão.

Não existem mulheres guerreiras, a mulher funciona como uma espécie de multifunções porque não tem alternativa, quem vai fazer por ela se ela recusar fazer? Pergunta pertinente para a qual não existem grandes respostas. A sociedade é machista e exige o impossível: Nenhuma mulher é feliz a cumprir multitarefas, parem de romantizar esta merda!

Sabem o que a Telma vê? Mulheres tristes, exaustas, deprimidas, em absoluta infelicidade, sobrecarregadas de tarefas porque os companheiros nem cozinhar sabem, não lavam uma louça, não mudam uma fralda aos filhos, não estendem uma roupa, simplesmente não querem saber, estão se a borrifar se a mulher com quem vivem está cansada e deprimida, ela está a fazer o que lhe compete, que se desemerde. A Telma vê mulheres a exaltarem nas redes sociais as super mães que são e na vida real estão no limite da loucura, no fim de um dia de trabalho quando dão banho ao filho pequeno e ajudam o mais velho a estudar, o estufado está na panela em cima do fogão e o aspirador está à sua espera para mais logo e os papéis da reunião do dia seguinte para assinar em cima da secretária, elas sentem-se esgotadas e sozinhas e este sentimento é difícil de gerir.

A mulher vive condicionada, vai-se moldando ao outro, vai cedendo às circunstâncias da sua vida e aos poucos vai-se anulando até ao dia em que não resta mais nada de si. Ela esgotou-se. Ser heroína, ser super mulher, super mãe, guerreira, multicoisas e mais não sei o quê é um fardo que a Telma não quer mais suportar, que ela tem todo o direito de não querer suportar. É mulher e isso basta.  Devíamos fazer o mesmo.

 

“Seja como a fonte que transborda e não como o tanque que contém sempre a mesma água.”

Paulo Coelho

 

Próximo capítulo: “O campo está minado”.