É o costume, menina? – Joana Camacho

Sou uma pessoa de rotinas: vou sempre ao mesmo café, peço sempre a mesma coisa e percorro sempre o mesmo trajeto. Ah! Não é tão bom quando chegamos ao “nosso” café às oito e dez da manhã e nos deparamos com um garoto escuro, uma queijada e uma pastilha elástica Gorila em cima do balcão?

– É o costume, menina?

Subitamente, a minha ida ao café perde toda a magia. Porquê? Porque tenho a clara sensação de que, se contrariar a minha rotina, a senhora do café me vai julgar. Já imaginaram a tragédia que seria pedir um pastel de nata em vez de uma queijada? Ou uma pastilha elástica de morango em vez do habitual Gorila de menta? Aposto que, passados vinte minutos, a senhora do café já me teria arruinado por completo a reputação naquele estabelecimento. A minha relação com os frequentadores habituais daquele espaço (leais aos seus pedidos) nunca mais seria a mesma. Eu deixaria de ser respeitada. Passaria a ocupar o último lugar da cadeia alimentar daquele reino. Todos os animais me olhariam de lado. (Bem… chega de Rei Leão para ti, Joana.)

– Ui, olha para aquela galdéria… ouviste dizer que ela ontem de manhã pediu um pastel de nata? Foi a Geraldina, a senhora da mesa catorze, que me contou. Mas quem é que a porcalhona pensa que é? Traidora! Arruaceira! Herege!

Esta situação hipotética aflige-me profundamente. Depois ainda há aqueles dias em que não vou ao café e em que, no dia seguinte, sou confrontada com essa situação.

– Ah, bom dia, menina. Não a vi por aqui ontem… esteve doente?

Agora, para além de ter de justificar as faltas que por vezes dou, na escola, também tenho de justificar as faltas que dou no café. Será que no meu café também têm um Livro do Ponto onde assinalam as faltas dos clientes? E será que a única maneira de as justificar também é com um atestado médico ou com uma declaração dos pais, por escrito? E o limite de faltas, qual é? Qualquer dia, a senhora do café liga aos meus pais e diz-lhes que fui banida daquele estabelecimento, por excessividade de faltas. Ou então chama-me ao gabinete do gerente, para me pôr a lavar pratos, de castigo.

O que vale é que no meu café não mandam trabalhos de casa e também não temos apresentações orais nem exames. Se bem que, se o Crato se lembra de expandir as suas medidas ditatoriais na Educação para a Restauração, estamos todos tramados. Passarão, assim, a existir exames quinzenais que envolverão a degustação de empanadas e identificação dos constituintes de um Compal manga-laranja embalado na freguesia de Linda-a-Velha.

Senhoras e senhores, a isto chama-se: coffeebullying.

Caras pessoas que me leem: caso, por alguma razão, tencionem subornar a autora deste texto, permitam-me que vos deixe uma sugestão… chocolates. Montes e montes deles.

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A parva lá de casa