Era uma vez no cinema: Brooklyn

                A migração e a busca pelo chamado “American Dream” marcaram e ainda marcam uma página na história da nossa humanidade, por isso é natural que ambos sejam abordados no cinema frequentemente. Todos os sentimentos e consequências que envolvem o fenómeno da migração, tal como a saudadade, a angústia de deixar para trás a família e os amigos, como a ilusão e o desejo de descobrir um novo mundo em busca de oportunidades, aproximam muito o público deste tipo de histórias. Quando esta é bem contada, tem óptimas interpretações e uma técnica apurada, torna-se ainda mais fácil deixar-se levar pela trama. No geral, são estes factores que distinguem “Brooklyn” de muitos outros dramas e romances que já retrataram estas temáticas.

               Baseado na obra literária de Colm Tóibín, “Brooklyn” acompanha a vida de Ellis Lacey, uma jovem irlandesa que perante a falta de oportunidades no seu país decide emigrar. Com a ajuda da sua irmã mais velha, Ellis muda-se para Brooklyn, em Nova Iorque, em busca de uma nova vida. Os primeiros tempos em solo americano são naturalmente complicados e é durante o seu processo de ambientação ao seu novo quotidiano que conhece Anthony Fiorello, um jovem ítalo-americano pelo qual se apaixona, algo que a vai levar a uma adaptação mais rápida e a apreciar a sua nova vida do outro lado do Atlântico. Quando Ellis começa a sentir-se cada vez melhor e mais cómoda em Nova Iorque, um acontecimento trágico obriga-a a regressar à Irlanda, o que faz com que surjam um mar de dúvidas na jovem. Onde pertenço? Qual é realmente a minha casa?

               “Brooklyn” tem a virtude de conseguir captar a atenção do espectador desde o seu início, envolvendo rapidamente o público na trama, algo que advém sobretudo do trabalho de Saoirse Ronan (mas vamos deixar isso para mais à frente). O realizador John Crowley consegue encontrar um equilíbrio adequado entre o romance e o drama, oferecendo assim uma boa dinâmica no desenrolar dos dois géneros, tentando ao máximo evitar os clichês romancistas e os momentos excessivamente melodramáticos (há um por outro), o que faz de “Brooklyn” uma obra mais madura e realista. O filme tem também o mérito de conseguir manter um clima de incerteza até aos seus instantes finais, transportando as dúvidas da protagonista para quem assiste. As dificuldades que os irlandeses e os emigrantes em geral encontravam na “terra das oportunidades” é um tópico obviamente desenvolvido em “Brooklyn”, tal como os sentimentos de saudade que qualquer emigrante vivencia, e ainda as incertezas quando estes são confrotados com um possível regresso à terra natal. “Brooklyn” é ainda um filme de um apuro técnico assinalável, desde o seu detalhado guarda-roupa aos cenários, o ambiente de uma Nova Iorque dos anos 50 é recriado de forma exímia, o que acrescenta ainda mais beleza ao filme de John Crowley. Esta é uma obra com um cunho pessoal muito grande, visto que a história é escrita por um irlandês, que tem uma protagonista irlandesa interpretada por uma actriz irlandesa, num filme dirigido por um irlandês. Não tenho dúvidas que o facto de os principais intervenientes serem irlandeses ajudou a que se entregassem ainda com mais paixão ao projecto, pois conhecem melhor que ninguém tudo o que envolveu os movimentos de emigração no seu país.

               É impossível pensar em “Brooklyn” sem Saiorse Ronan. A jovem actriz é a chave de todo o filme e todo este sucesso deve-se em grande parte à actuação formidável de Ronan. Com apenas vinte e um anos, sim, vinte e um anos, Saiorse Ronan é dotada de um talento extraordinário e se pensarmos quão jovem ainda é e do tanto que tem para evoluir, vimos que ela tem tudo para ser um monstro (no bom sentido) no mundo da representação. É incrível como com um simples olhar, aqueles olhos azuis se transformam num autêntico espelho da sua alma, das dúvidas que dividem o seu coração. O seu trabalho garantiu-lhe a mais que merecida segunda indicação aos Óscares na categoria de representação ( A primeira surgiu com apenas treze anos! Lembram-se daquela criança detestável em “Atonement”? Sim, era Saiorse Ronan). O futuro irá certamente trazer-lhe muitas mais indicações e prémios! Embora Saiorse Ronan ofusque qualquer outro em tela, ainda há um actor que consegue brilhar, Emory Cohen. O jovem actor natural de Nova Iorque fez de “Tony” um par perfeito para Ellie, construindo a personagem com uma notória naturalidade e simplicidade, o que ajudou a que o romance entre os dois envolve-se ainda mais o público (alguém não estava a torcer pelos dois no final???).

               “Brooklyn” é daqueles tipos de filmes bonitos que geralmente agradam a todos, onde desta vez eu me incluo, pois o que há para não se gostar em “Brooklyn”? A entrada no lote restrito de filmes nomeados ao Óscar de Melhor Filme é uma grande e saborosa vitória para esta produção. Algo totalmente fundamentado tendo em conta que é das melhores obras dramáticas do último ano.