**estreia** A (im)paciência desvirtua – Bárbara Borralho

Sempre ouvi dizer que “a paciência é uma virtude” e, assim sendo, considero-me uma pessoa demasiado virtuosa. Consigo aguentar muita coisa: insultos, estalos, situações embaraçosas… A verdade é que me falta paciência para algo que tenho de fazer todos os dias: conduzir. E não digo isto por causa das filas de trânsito ou das pessoas que pensam que as passadeiras são a passerelle do Portugal Fashion. Não, baseio esta minha impaciência no simples facto de ter um carro que adora andar rebocado.

Na segunda-feira fui a uma entrevista de emprego no Porto. Mais uma daquelas em que querem pôr as pessoas a trabalhar horas e horas quase de graça. Não saí de lá muito aborrecida até porque já tinha um pressentimento que me dizia: “querem-te explorar”. E eu gosto pouco de ser explorada, não sei, é um defeito meu. Contudo, o meu carro achou por bem dar o ar da sua graça (que é muito escassa, diga-se de passagem) e começou a assobiar. Era uma melodia bastante divertida cuja letra, traduzida para português, significava algo como: “a roda da frente pode sair a qualquer momento”.

Ainda arrisquei durante alguns quilómetros e consegui chegar ao sítio mais escuro do mundo. E foi precisamente lá que decidi parar a viatura na berma. Liguei logo os quatro piscas, vesti o colete e fui pôr o triângulo a uns quantos metros do carro; o meu instrutor teria ficado orgulhoso de mim. Liguei para a assistência em viagem e foi nessa altura que a minha paciência começou a cair a pique. “Dentro de meia hora estará aí um reboque para levá-la até casa”. Eu não sei como é na Maia, mas em Santo Tirso “meia hora” são trinta minutos e não noventa. Porém, admito que posso estar a ser algo picuinhas neste aspeto.

Estava escuro, o vidro da porta não fechava e eu só ouvia barulhos da bicharada que andava no monte. Não me assustei minimamente, tenho nervos de aço. Aliás, fui buscar um guarda-chuva à mala porque pensava que podia chover, não foi com a mínima intenção de bater em alguém que parasse à minha beira. Passaram quarenta minutos e ainda tinha alguma paciência. Mais vinte minutos e eu continuei a acreditar que o próximo carro a fazer a curva seria a carrinha do reboque. Mas nunca era. Estava sozinha no meio do escuro com um colete cheio de óleo e o cabelo despenteado; qualquer pessoa que parasse ali ia pensar que eu tinha dado um tiro ao dono do carro e ficado com o veículo.

Quando o reboque chegou, depois de tanto tempo de espera, eu já só queria ir para casa dormir. Não tinha forças para mandar o senhor a sítios onde tenho quase a certeza que ele não gostaria de ir. Só notei a falta de paciência quando já tinha o carro na minha rua e comecei aos pontapés à porta. Não foi uma boa ideia, confesso. Se o carro já estava miserável, pior ficou. Mas eu tenho acessos de raiva incontroláveis no que diz respeito a certos assuntos. Quando o meu carro avaria dou-lhe pontapés, quando o Benfica perde deito móveis abaixo (escusado será dizer que há uns meses estraguei três divisões da casa) e quando a minha irmã me irrita atiro-a da varanda (ela dá lições de pára-quedismo a preços bastante módicos).

Por fim, já dentro de casa, apercebi-me de que a paciência pode ser uma virtude mas que “nenhuma virtude resiste à pobreza”. Dito isto, espero por alguém com bom coração que me ofereça um carro. Também pode ser uma bicicleta; neste momento até a minha avó vai mais longe do que o meu Pólo.

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Riso sem siso