Festividades natalícias – Francisco Duarte

O Natal não é uma época. É um sentimento.

Edna Ferber

 

O Natal é, sem dúvida, a mais importante festa da Cristandade. Mesmo que não seja aquela com maior importância simbólica (honra que caberá, provavelmente, à Páscoa), é aquela mais amplamente celebrada, mesmo em culturas para as quais representa pouco mais do que a balbúrdia consumista em que se tornou.

Evidentemente que originalmente esta festa teve como objetivo celebrar o nascimento da personalidade que deu origem ao Cristianismo. Jesus teve, segundo os mitos desta religião, um nascimento eminentemente mágico. Filho de uma mãe que engravidara da divindade principal, com os humildes a venerarem imediatamente o bebé mágico, e os sábios de terras distantes a chegarem guiados por um fenómeno celeste incomum, este nascimento tem todas as características da origem do Pai Fundador, corrente mitológica que, de resto, se repete um pouco por todo o globo e ao longo da História.

Assim sendo, na tradição religiosa cristã, este nascimento abençoado seria merecedor de celebração, prova da suposta existência da divindade. Basicamente, apresenta-se como um ritual de pertença a uma certa comunidade, elemento de uniformização de uma dada identidade cultural.

No entanto, a festa natalícia acabaria por se converter em algo mais, com maior significado para uma maior quantidade de pessoas.

O Pai Natal

Recordar o milagre da vida e aqueles que nos são próximos não seria o objetivo inicial desta festividade, mas certamente que acabou por se tornar na sua maior característica. A troca de presentes haveria de se tornar no grande negócio que hoje conhecemos e o Natal representa uma das épocas de maior lucro do ano em todo o mundo.

Claro que não se poderia falar dos presentes de Natal sem falar do Pai Natal. Contrariamente à crença popular, as vestimentas vermelhas e brancas não foram uma invenção das campanhas publicitárias da Coca-cola. O São Nicolau dos Países Baixos usava tradicionalmente uma capa vermelha sobre as roupas brancas de um bispo, e terá sido de variantes desta indumentária que surgiu aquela que hoje conhecemos.



O próprio conceito de um velho de barbas que distribuía presentes é bastante mais antigo do que a tradição que hoje associamos ao Natal (como usualmente sucede). Já os antigos escandinavos idealizavam um Ódin que descia à terra no Yule, um festival de Inverno, para distribuir presentes aos justos.

Como sempre sucede, as sociedades que vieram depois agarraram nestes conceitos antigos, nestas emocionantes histórias de magia, e transformaram-nas para se adaptarem aos novos tempos. Nada é eterno, e toda a tradição é inventada e transformada, pois o único caminho é para a frente.

Religiosidade e sociedade

Evidentemente que se ignorarmos estes elementos mais populares e emocionais até da festa natalícia, ficamos com o facto inegável de que se trata de uma festa religiosa. Recentemente o famoso investigador Richard Dawkins foi entrevistado no canal noticioso Al-Jazeera devido às suas declarações de que a religião é maléfica.

Ignorando a posição altamente defensiva do entrevistador, islâmico, o facto é que a questão em si é premente. Nesta época da mais bem-sucedida festividade religiosa do ano seria bem questionarmo-nos sobre se estes valores serão, de facto, importantes para o mundo em que vivemos. Afinal, foram criados numa época bem diferente.

Há uma coisa que todos temos de ter em mente quando falamos nos prós e contras da crença religiosa: as filosofias de fundo são bastante interessantes. Infelizmente estas são normalmente rodeadas de tantas deturpações e dogmatismos que os significados realmente importantes se perdem num monte de barulho inútil. Por que se os valores são bons, os motivos pelos quais eles são colocados em prática podem não o ser.

Pessoalmente, não acredito em Deus nem numa vida após a Morte. Mas acredito que todos temos apenas uma hipótese a aproveitar o bom que a nossa existência nos dá, e que ajudar aqueles que a fortuna abandonou, trazer um sorriso aos seus rostos, assim como também aos dos nossos amigos e familiares… esse tipo de valores e ideias de bondade e gentileza forjados por gerações de grandes pensadores religiosos e não só, todas essas boas lições, devem ser tidas em conta.

Porque foi nisso que o Natal se tornou. Não numa simples celebração de um homem morto há muito, mas na celebração do quão bom é estarmos vivos e termos alguém que se preocupa connosco.

Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso