Horror e videojogos: do medo à amnésia pt.2 – Francisco Duarte

Lembram-se daqueles filmes de sucesso de que falei anteriormente? “A Pantera” e “A casa maldita”? Peço-vos que agora parem por um instante para pensar porque é que estes filmes funcionam. Porque é que o bom horror funciona? Serão os monstros a saltar-nos para a cara? Será o sangue e a violência?

Claro que por esta altura vocês já sabem a resposta. O ambiente. É aquilo que está em nosso redor, mas não conseguimos perceber. Os sons e a sensação sinistra que torna até caixotes de lixo em perigos para a vida do protagonista. Diz a velha máxima do horror que é aquilo que não vemos que nos aterroriza. É o desconhecido que nos coloca em desequilíbrio. Aquilo que está no escuro e não conseguimos ver, implicando as terríveis garras e dentes que nos irão devorara sem darmos por ela. Os medos arcanos de quando as nossas casas eram cavernas e florestas. No fundo, onde uma obra de horror, seja videojogo, filme ou livro, têm sucesso, é em fazer a nossa imaginação criar as ameaças escondidas. No fim, somos nós que nos assustamos a nós mesmos.

E é aí que “Ex Mortis” funciona. No fim, continuamos a saber muito pouco sobre os terríveis seres que dão nome ao jogo, e poucos sustos nos são atirados à cara no seu decorrer. Aliás, é a sua raridade que os torna mais eficientes. Após minutos e minutos a percorrer corredores escuros, com frases que mal conseguimos perceber e imagens fugidias nos limites da nossa percepção, o facto de finalmente ocorrer algo acelera o coração.

Na sequela temos muita explicação, somos atirados para uma guerra entre a humanidade e os Ex Mortis, e, de algum modo, nada parece encaixar tão bem. Tive os meus sustos, evidentemente, mas não aquela sensação medonha que marcava todo o primeiro jogo. “Ex Mortis 2” falhou porque não sabia criar um equilíbrio entre o que devia ser transmitido ao jogador e o que deveria ser escondido, baseando-se em sustos momentâneos, de coisas que saltam para a cara, e não num ambiente que activava a imaginação.

Dead Space” é um exemplo curioso. No fundo é apenas um jogo de acção envolto em elementos de horror. Nas profundezas do espaço, uma nave foi dominada por terríveis seres chamados Necromorphs, que vagueiam pelos corredores e respiradouros, ameaçando o protagonista, um mero engenheiro. Contudo, pelo menos enquanto se apresentam como uma novidade, os elementos de horror conseguem funcionar muito bem. Novamente, é o aspecto escuro e claustrofóbico da nave, a falta de rotas de fuga, e os sons sinistros que ecoam pelo metal, e aquelas vozes que não conseguimos perceber se são reais ou imaginadas. Quando a situação se revela confusa, é a imaginação do jogador que o aterroriza. Quantas vezes não desatei a correr pelos corredores devido a um rosnar, ou um suspiro? Sabia que, dentro da arquitectura do jogo, aquelas zonas eram seguras, não havia qualquer ameaça lá, mas não o podia evitar, tinha de me afastar dos sons, e depressa! Eu estava a assustar-me a mim mesmo!

E há quem leve este elementos ainda mais longe. Agora sim, irei falar de um mod. O “Half-Life 2” é a sequela do muito bem-sucedido “Half-Life”, e também tem elementos propositadamente emprestados de videojogos de horror. Ravenholm, o nome de um dos níveis, é hoje relembrado com temor pelos fãs dos jogos de horror. Contudo, “Nightmare House 2”, um mod feito por uma equipa de amadores muito dedicados, leva esses elementos mais adiante. A casa abandonada do prólogo e o hospital decadente do resto do jogo apresentam-se como repletos de detalhes e sons que activam as nossas imaginações. Volta e meia ouvimos diálogos que apenas adensam o mistério do argumento, e até o sistema de avisos automáticos do hospital ocasionalmente se dirige directamente à nossa pessoa, quando nem deveria estar, sequer, a funcionar. Entre lutas com zombies e visões de fantasmas, a sensação de estarmos totalmente envoltos no inexplicável, em algo que jamais poderemos compreender, faz funcionar os elementos de terror. Mais ainda, a equipa criou um sistema de “susto aleatório” que cria situações inquietantes em momentos incertos, aumento ainda mais o ambiente sinistro. Assim, pelo menos nas horas que antecedem o clímax, em que se acabam por criar mais perguntas que respostas para os jogadores atentos, são as nossas teorias sobre o que está a acontecer, e o facto de não sabermos de onde virá a próxima ameaça, que nos fazem respirar mais depressa e estar mais atentos. É um projecto que vale a pena jogar, bastante possuir uma cópia do “Half-Life 2” para se poder desfrutar.

Muito mais recentemente, no ano em que nos encontramos, nasceu um outro fenómeno do terror videojogável que assumiu rapidamente o estatuto de culto. Chama-se “Slender: the eigth pages”. É um jogo muito simples, o personagem encontra-se subitamente no meio de um bosque, envolto pela noite. Aqui e ali surgem monumentos ominosos, árvores retorcidas, carros abandonados e outros elementos inquietantes. Neles pode encontrar páginas que descrevem um terrível ser sobrenatural, o lendário Slenderman. Assim que a primeira destas páginas é encontrada surge uma música compassada, aterradora, que marca a chegada do monstro ao bosque. À medida que o jogador vai encontrando mais páginas, a música torna-se mais inquietante, e o Slenderman mantém-se sempre em perseguição. É também um jogo que castiga a curiosidade, pois este monstro só mata se for olhado diretamente, o que torna a experiência mais aterradora, pois sabemos que ele está ali, mesmo atrás de nós, e nada podemos fazer quanto a isso. Em essência é uma vitória do ambiente, criado de modo a dar o mínimo de liberdade possível ao jogador e de o manter concentrado na perseguição implacável que sofre.

Nesta nossa viagem pelos videojogos de terror percorrermos alguns projectos que exploram, de um modo ou de outro, as possibilidades da interactividade do videojogo para criar os estímulos que procuramos numa boa história de terror. Assim sendo, e já com tanto trabalho feito, fica a pergunta: qual será o derradeiro videojogo de terror neste momento? Aquele que explora o que já foi feito, e estende os limites?

Aqueles que têm algum conhecimento das andanças da indústria dos videojogos certamente que já terão, pelo menos numa ocasião, ouvido falar de “Amnesia: the dark descent”. Um projecto desenvolvido por uma pequena empresa, este é um jogo que puxo ao limite aquilo que os modernos gráficos e sistemas de som conseguem fazer pelos jogos de terror. Repararam que a maior parte dos jogos referidos erma jogos de tiros, e que as armas poderiam, pelo menos, dar um certo conforto ao jogador? Esqueçam isso! A única arma do protagonista é uma lanterna, e que serve apenas para lutar contra a escuridão anti-natural que preenche as catacumbas e salões do Castelo Brennenburg. Os monstros são invencíveis (pelo menos em condições normais), e irão matar o jogador de o apanham. O ambiente é escuro, claustrofóbico, cheio de sons vindos de animais, correntes de ar, bocados de pedra a cair, e o gutural e sinistro rosnar dos monstros, que irá fazer qualquer um estremecer, mesmo se ouvir algo similar no mundo real.

Quase nada será visto, apenas as paredes de salas abandonadas, e vozes e eventos virão dos limites da percepção. Mesmo o monstro não deverá ser visto com detalhe. Se o ouvir fuja, porque se o conseguir ver bem, então estará morto! Isto é um uso efectivo da lei do quanto menos se vir melhor. Mais ainda, a história inquietante é transmitida aos poucos, e as grandes revelações ocorrem de modo inesperado e chocante, apenas adensado a pavorosa sensação de se descer até às profundezas da montanha onde o castelo está construído.

Isto pode parecer adoração excessiva pelo jogo, mas a realidade é que representa um dos melhores trabalhos feitos na área do terror dos últimos tempos, levando ao limite aquilo que os videojogos permitem trazer de novo ao género, para aumentar os sustos e a sensação de desespero que estes pontuam. Quantas vezes não dei comigo a olhar para uma vela, dentro de uma sala escura por minutos, apenas à espera que o monstro saísse do corredor ao lado? É esse tipo de jogo que “Amnesia” é. Porque permite que seja a nossa imaginação a preencher os espaços vazios entre linhas de argumento, e na escuridão de cada corredor.

Porque é assim que se faz uma história de terror. O medo não vem dos gatos que salta de traz de caixas, ou dos órgãos e sangue espalhados pelo chão, mas daquilo que está por detrás dos mesmos. Aqueles antigos filmes basicamente não possuíam qualquer violência, mas o inquietante era aquilo que não podíamos ver. O medo vem do desconhecido.


Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso