Inocuidades – o caso Margarida Rebelo Pinto – Viriato Queiroga

A importância dos media, como se sabe, é de uma magnitude extraordinária. É através do processo de divulgação mediático (impulsionado pelas redes sociais online) conferiu um destaque imenso às declarações proferidas pela escritora Margarida Rebelo Pinto na RTP Informação, provocando uma sucessiva reação social saliente às suas palavras.

Não é surpreendente.

Não é uma ciência, nem é necessário ter um curso superior para se perceber a razão pela qual os cidadãos se revoltam contra declarações como “repulsa e pena” ou afirmar estar “profundamente triste pela falta de civismo das pessoas que vão interromper e tentar perturbar o trabalho daqueles que neste momento governam o país”. Num país onde entre 15 a 18% das pessoas enfrentam o desemprego (dependendo do conceito de “desempregado”), num país onde a população jovem foi obrigada a emigrar por não existirem oportunidades nas suas áreas de estudo, num país onde 2 milhões de pessoas (talvez mais) vivem com menos de 500€ por mês (e estão, evidentemente, em dificuldades com o “enorme aumento de impostos” regulamentado pelo atual governo), num país onde a convulsão social obriga a que os transportes bloqueiem 3 dias seguidos na sua capital, num país onde alguém deslocar-se ao seu local de trabalho 5 dias por semana pode valer quase metade do seu rendimento mensal…

(Quebro aqui a página porque penso que o leitor percebeu a ideia.)

… É perfeitamente normal que as pessoas manifestem um profundo desagrado, sobretudo quando o autor do discurso não experiencia as dificuldades do dia-a-dia do português médio.

Mas mais do que um problema de índole pontual, as declarações desta pessoa são sintomáticas da aparente clivagem sucedida entre cidadãos. Clivagem que não existe devido à enorme diferença de números entre apoiantes da política austera e dos que se opõem à mesma (98%).

Não falemos, então, em dados económicos, sociais ou políticos.

Falemos de sentimentos.

E os sentimentos dos portugueses são de que alguém que apoie medidas que provocam a angustia que as decisões políticas que Passos Coelho toma, no seu dia-a-dia, constituem um atentado à dignidade humana (não mencionando os insultos endereçados por Rebelo Pinto aos 98% de cidadãos que concordam que estas medidas políticas estão a destruir o tecido económico e social português…).

Em suma, Rebelo Pinto prova deter uma extraordinária falta de sensibilidade (ou desconhecimento) da realidade portuguesa e, simultaneamente, destrói a sua reputação, colocando, não só a sua imagem, mas a dos seus livros, em cheque.

E no entanto… Tal não passa de uma polémica que serve como entretenimento com o objetivo de desviar a atenção do real problema, causando um efeito de avestruzes coletivas, que preferem esconder a cabeça debaixo da terra… Entretanto milhares de portugueses passam fome, frio e sede por falta de recursos. E sim, ninguém disso falou, mas por cá, já se morre, outra vez, destas mesmas causas.

O que decidiremos fazer com esta informação… É uma incógnita.

Mas serve esta crónica para registar o sinal dos tempos que correm: a importância da declaração de alguém cuja formação (e observação) política, económica, financeira e social é extremamente fraca cuja se sobrepõe aos assuntos que nos afetam.

Superficialmente vêem o Mundo. A continuação, artificialmente, implicará a “mudança de qualquer coisa, para que tudo continue na mesma”.

ViriatoQueirogaLogoCrónica de Viriato Queiroga
Constrangimentos Opinativos