Luto…Preto…Tristeza…Uma Cultura! – Aida Fernandes

A seguir ao tema da morte eis que surge a ideia…escrever sobre o luto! Não só porque á primeira vista parece coisa de” velhos”, como em tempos vivi um momento muito interessante, que jamais esqueci, por vários motivos. Em primeiro porque tinha acabado de perder o meu pai…estava a um mês desta terrivel perda! Em segundo porque o lugar onde isto se passou, mais parece um local somente possível no nosso imaginário! Um lugar onde a beleza natural se evidencia da forma mais peculiar, mas um lugar que nos faz recuar no tempo diria quase um século!

Caminhamos em direcção á aldeia mais típica de Portugal…Piodão! Uma das aldeias mais protegidas a nível histórico, um verdadeiro encanto semelhante a um presépio…aquelas casinhas de xisto, as portas e as janelas de madeira pintadas a azul e os telhados cobertos com lages. Somente meia dúzia de habitantes…pode adivinhar-se desde já que eram só idosos…mulheres vestidas de preto, com lenço na cabeça, tudo tão negro , um sentimento de tristeza e ausência de luz!
Eu pensava para mim, meu Deus isto é muito bonito, diria de uma beleza rara, mas como se pode viver num lugar destes! Só idosos, como é que eles sobrevivem! Quem os ajuda! Como passam eles os dias, os Invernos frios…

Eis que uma “velhinha” debruçada sobre a sua tão característica janela, nos aborda perguntando:- Vocês gostam disto? Onde moram? Respondemos: Isto é muito bonito sim, um encanto, uma beleza rara, um local que estamos adorar conhecer! Vimos do Porto, mais propriamente de Santo Tirso! Diz ela com um tom de graça: Porto! Isso não é uma cidade! Sim, respondemos. E vocês estão assim vestidas de preto porque lhes faleceu alguém ? Sim, faleceu-nos o pai á cerca de um mês e conservamos o luto. Espantada e alegre ao mesmo tempo… Pensei que nas cidades não se vestiam assim! Estou admirada dizia ela, que bonito ver assim duas pessoas novas a fazerem o luto de preto pelo pai.

Sentimos uma satisfação na conversa da velhinha, um sorriso de contentamento porque afinal nós…do Porto…da cidade….preservavamos o luto vestidas de preto! Contentamento ainda porque conseguimos transformar aquele bocadinho, num momento muito rico, em que realmente é importante poder avaliar as culturas face a situações reias! Embora o luto tenha diferentes formas de expressão, não deixa de ser um conjunto de reacções e de perda, perda significativa e tristeza….ausência de alegria…um vazio por dentro!

Cada geração e cada cultura tem a sua crença, eu naquela altura acreditei e senti vontade de viver o luto vestida de preto…não que o luto esteja na cor, sem duvida, mas está no coração…e esse encontrava-se fechado á “cor” por um tempo indeterminado.

Se me perguntarem hoje…eu digo simplesmente: eu não acho que o preto seja a forma de vivenciar um luto, não defendo que as viúvas devam usar preto eternamente, defendo sim, um sentimento de respeito pela perda, e esse pode ser notável pelo preto sim, desde que não seja por obrigação, desde que não seja por imposição, desde que não seja eternamente….

É muito comum ouvirmos dizer: -o preto não leva ninguém ao Céu! Claro que não…nem o branco…nem o azul! Mas foi pelo preto que a “velhinha” concluiu que tínhamos perdido alguém, foi pelo preto que iniciamos a conversa, foi pelo preto que ela se motivou a interrogar-nos …para ela nós eramos comuns numa coisa…no Luto! Numa cultura como a deste povo que vive arragado ás suas raízes e crenças, que vive quase isolado do mundo, acho que foi um privilégio constatar que afinal não são só os “velhos” que vestem preto no luto. Até o povo do norte carago!

Depois desta agradável conversa percorremos aquelas vielas e os olhares eram todos semelhantes…um ar surpreso no interesse que dávamos aos mais pequenos pormenores da aldeia. Para eles aquilo não passava de uma simples e triste terra, mas ao mesmo tempo o lugar que eles querem continuar a viver até aos últimos dias da sua vida.
Piodão….um presépio ao vivo! Uma viagem no tempo!

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A última Etapa