Não Sou Turista, Mas…

Um dos meus maiores sonhos é conhecer o mundo, viajar o mais longe que consiga pelo maior espaço de tempo que o dinheiro me permita. Isso ainda não aconteceu, e portanto por muito que me custe, ainda não ganhei o título de turista.

Visto da perspectiva global, isto não é bem verdade. Por exemplo, já fui a Espanha, à terra de Santiago de Compostela, mas não fui turista. Vou-vos contar porquê.

Então, há alguns anitos atrás, depois de eu muito pedinchar que queria sair de Portugal, disseram os meus pais assim: “Vamos a Santiago de Compostela!” e eu, claro, fiquei toda contente. Andei a magicar o que é que ia ver durante o dia inteiro, como seriam os restaurantes, as pessoas, as ruas, os monumentos… E chegou o dia.

Lembro-me que acordamos às horinhas malditas da manhã e nos pusemos logo dentro do carro, a boleia que nos levaria às terras de nuestros hermanos. Eu já andava a desenvolver uma espécie de enjoo em viagens longas, por isso a melhor coisa que tinha a fazer para não vomitar no banco era dormir. Adormeci.

Quando abri os olhos, o sol já se tinha posto no alto, as horas tinham passado e o meu telemóvel velhinho estava a preparar-se para trocar para a rede espanhola. “Espectáculo!” pensei eu, mas ainda não estávamos lá, por isso adormeci outra vez.

Mas finalmente chegamos e pisei solo espanhol! Ah, a felicidade, a alegria de ser uma portuguesa em terras alheias! Fomos almoçar a um restaurantezinho espanhol no qual eu me irritei imenso com o garçon porque pedi-lhe um menu oito e ele não percebeu o que era um oito. Pusemo-nos a passear pelas ruas e a ver as catedrais e outros sítios que tais. Tive o prazer acrescido de (re)descobrir um gelado da minha infância que tive de comprar imediatamente, o meu amor perdido que voltou para os meus braços (e estômago). Também tivemos o prazer enorme de ver a hora da sesta em acção: em plena tarde as ruas vazias, tudo fechado, a vida suspensa num equilíbrio rompido apenas pelos turistas. Poesia.

As horas passaram e como os meus pais me queriam proporcionar a maior “visita de estudo” possível, lá fomos nós outra vez para dentro do carro porque tínhamos de ir a outro sítio. E eu como turista que sou, envolvi-me no espírito espanhol e adormeci.

Já não me lembro que horas eram quando acordei outra vez, mas o rosto da cidade era diferente e os espanhóis já estavam a pé e o sol a pôr-se. Era hora de jantar e por isso fomos dar mais uma volta grande e entrámos num restaurante em que não me irritei com ninguém porque toda a gente percebeu o que eu queria comer. Comemos bem, talvez não como reis mas equiparável, o que já é bom. Mas, como todas as coisas boas chegam ao fim, estava na hora de pegarmos no carro e voltarmos à nossa terrinha que tanto nos chama. Cinco minutos depois da viagem começar já eu tinha adormecido de pança cheia e contente da vida, tendo acordado durante dois minutos quando passámos a fronteira e finalmente quando chegamos a casa, três ou quatro horas depois.

Agora, eu gosto de dormir; vou ser sincera e dizer que dormir, o acto de estar na cama enroladinha num cobertor a fazer ó ó, é-me extremamente apelativo. Continuando na onda da sinceridade, não sei como é que consegui de livre e espontânea vontade entrar em coma tantas e repetidas vezes, por horas seguidas. Mas que o fiz, fiz, e dormi que nem um urso no inverno.

Posso não ter ainda título de turista, mas fiquem a saber que não são todas as pessoas que têm o título de hibernadoras, e se há título que ganhei com todo o gosto foi esse. Vocês podem ir dormir bem, mas nunca irão dormir tanto como eu. Apostas aceitam-se!