Notas sobre a origem da guerra – Francisco Duarte

Podemos de certo modo dizer que Vida é guerra. A corrida ao armamento entre predador e presa e a luta entre membros da mesma espécie pelas três necessidades essenciais (espaço, alimento e parceiro) são desafios muitas vezes resolvidos apenas com o uso da força. Mais ainda, apresentam-se como constantes e nunca dando sinais de irem parar. Isto porque evolução é desafio e resposta, adaptação constante a todas as forças de pressão externa, e isto porque as necessidades de espécies e indivíduos diferentes muitas vezes sobrepõem-se de modo conflituoso e sem qualquer outro tipo de resolução.

O que tal implica é que podemos, de facto, definir que os seres humanos, assim como todas as outras espécies deste planeta, sempre estiveram em guerra, com o ambiente e com eles mesmos. No entanto, a luta pela sobrevivência não tem, decididamente, de ser comparada ao tipo de conflito organizado e altamente destrutivo que somos capazes de fazer quando nos organizamos e nos decidimos a destruir os povos que consideramos inimigos. Portanto, declarar que a vida selvagem existe em estado de guerra pode quase metafórico, quando aplicamos essa noção ao ser humano, então a situação inverte-se.

No entanto, quando foi que o conflito armado começou a existir? Desde quando é que a guerra é algo organizado e definido pela implacável rigidez da “formação” (isto é: da liderança e organização generalidade que hoje assumimos como vitais no desenvolvimento do conflito armado) e não apenas lutas constantes entre grupos e tribos?

Existem várias ideias relativas a essa importante questão. No entanto, como muitos outros fenómenos sociais, podemos precisar de ir procurar a resposta ao estabelecimento das primeiras povoações fixas, no Neolítico, há cerca de 10.000-12.000 anos.

Durante milhões de anos, os seres humanos e seus antepassados viveram como criaturas maioritariamente nómadas, sempre em busca de alimento. Como este modo de vida deu lugar ao moldado pela agricultura é uma discussão que deixaremos para outra altura. Pode-se desde já dizer que na época se terá dado uma profunda transformação cognitiva e tecnológica que iria mudar para sempre a humanidade. Também trouxe consigo o advento da agricultura.

O estabelecimento dos campos de cultivo e das povoações que deles dependiam criavam a necessidade de defender esses mesmos campos de outros grupos humanos. Desde povos ainda nómadas atacando em busca de alimentos já criados, até outras cidades que procuravam expandir o seu próprio território. Esta necessidade defensiva terá forçado os habitantes dessas primeiras cidades a organizar os primeiros exércitos.

Foi um evento importante que se terá dado no chamado Crescente Fértil, a zona que atualmente corresponde ao Iraque, partes do Médio Oriente e o Delta do Nilo. As importantes transformações desta época também trouxeram com elas quatro importantes artifícios de combate: o arco, a fisga, a adaga e o maço. Estas armas podem não parecer muito extraordinárias hoje, mas na época eram tão revolucionárias como a pólvora, o comboio ou o avião seriam mais tarde.

Não quero com isto dizer que o conceito de tática fosse totalmente desconhecido dos povos anteriores ao neolítico. Provas arqueológicas, como pinturas rupestres, parecem demonstrar que já se conheciam alguns conceitos importantes até tempos relativamente longínquos. Contudo foi nesta época que esses mesmos conceitos se desenvolveram para enfrentar exércitos cada vez maiores, que requeriam, por sua vez, tropas cada vez mais amplas e organizadas para lhes fazer frente. Isto foi apenas possível porque estas sociedades, fixas e que criavam o próprio alimento nos terrenos em seu redor, ao invés de terem de o procurar onde era possível, conseguiam criar a população e as respetivas articulação e complexificação social que garantiam a legitimação de líderes e ideias. Um homem poderoso podia agora declarar um outro povo inimigo, que teria a infraestrutura ideológica, social e industrial para suportar tal declaração e entrar em conflito armado.

Mas isto é apenas o básico. Voltarei a esta temática mais tarde.

BIBLIOGRAFIA:

Ferrill, Arther, 1985. The origins of war: from the stone age to Alexander the Great. Thames and Houdson Ltd, Londres.

Gabriel, Richard; Metz, Karen. 1992. A short history of war. Strategic Studies Institute of the U.S. Army War College, Carlisle Barracks, Pennsylvania.

Hole, Frank. 2000. Is size important? Function and hierarchy in Neolithic settlements. (in). Kujit, Ian (ed). Life in Neolithic farming communities. Luwer Academy/ Plenum Publishers, Nova Iorque: 191-207

Simmons, Alan. 2000. Villages on the edge. (in). Kujit, Ian (ed). Life in Neolithic farming communities. Luwer Academy/ Plenum Publishers, Nova Iorque: 211-226


Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso