“O estado das coisas em Portugal e África” – Nuno Araújo

“O estado das coisas em Portugal e África”

As manifestações indicam, com clareza: o prazo de validade deste governo PSD-CDS terminou.
Não é outra forma de caracterizar o estado em que se encontra este governo Passos Coelho-Paulo Portas, senão o de ser um governo cujo prazo de validade expirou.

A confiança de Paulo Portas em Passos Coelho expirou quando António Borges anunciou ao país o destino da RTP, à margem da concordância de Portas; a confiança de Paulo Portas em Passos Coelho expirou quando Vítor Gaspar anunciou medidas como aquela “artimanha” da TSU, que o povo português conseguiu abolir do ideário governamental.

A confiança de Passos Coelho em Paulo Portas expirou, com aquela memorável conferência de imprensa num Domingo à tarde. “Agarrem-me, senão demito-me!”, podiam (perfeitamente!) ter sido as palavras do primeiro-ministro Passos Coelho, quando ameaçou com a sua demissão. Porém, lá em Belém, alguém lhe pediu, ou disse simplesmente, que seria melhor não o fazer já, ou para não o fazer de todo. Quem sabe, faltará aprovar um orçamento de estado para 2013…vamos ver.

O CDS, sem vice-presidente, está refém da decisão de Paulo Portas, cada vez mais isolado na liderança dos centristas. Que irá Paulo Portas decidir, romper a coligação que está a sufocar o seu partido e a comprometer o seu próprio futuro político, ou irá antes manter o seu acordo até ao fim, ou seja, “navegar à vista” até o “barco do governo” afundar?

Para o CDS, seria melhor, avaliando as sondagens, quebrar a coligação…afinal, o défice de 6,9% é grotesco para este ano de 2012, quando se queria 4,5% inicialmente; depois, a troika deixa essa fasquia suavizar para uns 5,3%; mas, nem assim, com tais veleidades, Gaspar consegue “fechar a torneira” do erário que governa (e mal, diga-se!). Para o CDS seria melhor ter eleições agora, por forma a não perder os seus 21 deputados à Assembleia da República, por forma a manter-se como 3ª força política em Portugal e vislumbrar acordos de governo, até num futuro próximo, quem sabe…

Talvez devamos aguardar mais seis meses até a uma eventual queda do governo.
Talvez devamos aguardar pelo orçamento de estado para 2013.
Talvez devamos aguardar por mais manifestações, porque com muitas manifestações, com manifestações suficientes, este governo cai.
Talvez devamos aguardar pela saída de António Borges, enquanto consultor do governo, pois os seus “soundbites” são arrasadores para a má postura comunicacional do governo.
Talvez devamos continuar a acreditar num Portugal melhor. Os juros da dívida pública favorecem o nosso país, e, a esse nível, o pior já passou. Agora é tempo de fazer Portugal crescer economicamente, mas com este governo está visto que não é possível!
“Acabemos com este governo, antes que este governo acabe com Portugal!”, disse Arménio Carlos, líder da CGTP, na manifestação do passado Sábado, que encheu o Terreiro do Paço. Nada mais essencial, meus caros amigos leitores.

África

Sudão e Sudão do Sul: paz à vista?
Os presidentes do Sudão e do Sudão do Sul coincluiram um acordo parcial, assinado na passada Quinta-feira. Creio que será possível, finalmente, pôr fim a um dos mais sangrentos conflitos entre os dois países vizinhos. Facto: o presidente do Sudão, Omar Hassan al Bashir, e seu colega do Sudão do Sul, Salva Kiir, se terem encontrado no hotel Sheraton Addis (e por isso, faltarem à Assembleia-geral da ONU), após se terem reunido separadamente com o novo primeiro-ministro da Etiópia, Hailemariam Desalgn, no palácio presidencial da capital do país, Adis Abeba. Isto era impensável ainda há cerca de ano e meio atrás.

Constam, do acordo, nove items aceites por ambas as partes, sendo que a mais importante determina a criação de uma zona desmilitarizada entre os dois países. Esta questão reforça a segurança, o ponto central da cessação de exportação de petróleo por parte do Sudão do Sul, em que quase todo o seu PIB assenta no lucro advindo do negócio de “ouro negro”.

Há, no entanto, uma questão muito sensível, para a qual ainda não foi estabelecida uma decisão: a definição de fronteiras. Esta delicada matéria merecerá, na minha opinião, muitas e intensas reuniões entre as diferentes partes, sobretudo porque tanto Sudão como Sudão do Sul se acusam mutuamente de suportar grupos terroristas nas fronteiras.

Esperemos, portanto, e acima de tudo, o cumprimento das medidas anunciadas. A União Africana foi a alta patrocinadora deste memorando de entendimento, e se este fôr respeitado, abrir-se-à um novo caminho para os vizinhos Sudão e Sudão do Sul. E que seja um caminho de paz e prosperidade.

Moçambique: 20 anos de paz e alterações constitucionais

Numa semana em que decorreu mais um congresso da FRELIMO, comemoraram-se 20 anos sobre o acordo geral de paz em Moçambique. Neste 20 anos que se passaram desde o Acordo Geral de Paz, assinado entre FRELIMO e RENAMO, que muito mudou em Moçambique.

A primeira grande mudança deu-se logo quando a FRELIMO abandonou o marxismo, em 1989, permitindo um caminho seguro para a paz. Após as eleições de 1994, Joaquim Chissano tornou-se Presidente da República de Moçambique com plenos poderes constitucionais, e reconhecido pela ONU. A estabilização da democracia política e social em Moçambique deve-se muito a Chissano, mas Armando Guebuza também tem contribuído para um clima muito apreciável de paz. Logo, essa exemplar paz moçambicana, que associada à democracia posta em prática, favoreceu claramente o desenvolvimento do país, assente em taxas de crescimento anual que rondam os 6 e 7 pontos percentuais. Porém, esse nível de evolução económica não se faz repercutir no dia-a-dia dos cidadãos moçambicanos, cujo PIB per capita anual pouco ultrapassa os 1000 dólares; taxa de inflação de 10%; a taxa de desemprego situa-se acima dos 20 %; e, o pior, mais de metade da população vive abaixo do limiar da pobreza (54%).

Porque é que Moçambique, um dos países mais pacíficos de toda a África, não consegue eliminar estes níveis insuportáveis de pobreza?

Acredito, porém, que Moçambique está no bom caminho para o crescimento e para a erradicação dos níveis altos de pobreza, principalmente por duas razões. A primeira razão prende-se com o crescimento de 8% na produção industrial registado no ano passado de 2011, o que é, sem dúvida, um bom sinal para o futuro que aí vem. A segunda razão tem a ver com um acordo assinado a 22 de Setembro entre China e Moçambique, que prevê a chegada ao erário público moçambicano de mais de mil milhões de dólares, o que denota um óptimo sinal para os investidores internacionais, porque se a China (que detém o maior superavit orçamental no mundo) injecta dinheiro em Moçambique, afirma ao mesmo tempo que a economia de Maputo está de muito boa saúde. E essa boa saúde económica poderá favorecer a criação de postos de trabalho.

Os desafios, porém, são imensos e enormes. Passam muito por exportar mais, produzir melhor e em maior quantidade, e, talvez o ponto chave na política económica do governo moçabicano, diversificar os parceiros de negócio. Porquê? Devido ao facto de Bélgica, Espanha e Itália serem dos maiores parceiros comerciais de Moçambique, e estarem a braços com a crise do Euro, o que poderá inviabilizar muitas exportações moçambicanas, prejudicando a balança comercial do país.

Armando Guebuza, Presidente da República de Moçambique e líder da FRELIMO, é já uma figura histórica para o seu povo e para o seu partido político. Foi reeleito com mais de 98 por cento dos votos, no congresso do partido a que preside, e isso dá “carta branca” para a política que vem sendo seguida nos últimos anos, ou seja, a FRELIMO poderá prosseguir com a intenção de alterar a constituição.

Creio que a FRELIMO quererá mesmo mudar a constituição. E a constituição moçambicana está, com efeito, mais do que desactualizada, está mesmo algo obsoleta face às circunstâncias actuais. Vejamos: a primeira constituição de 1975, de teor ideológico e revolucionário, assentava num regime de partido único (FRELIMO), portanto antidemocrático, e que apenas viu introduzido o conceito de “estado de direito” em Moçambique, já decorria o ano de 1990. Em 2004, as alterações introduzidas na constituição moçambicana já lhe retiraram o pendor revolucionário, consolidando efectivamente e dando forma escrita à estrutura democrática e pacífica do país, impondo limites às alterações desse texto fundamental, para além de abordar com exactidão a limitação de mandatos do Presidente da República.

É precisamente este o ponto mais sensível da eventual revisão constitucional moçambicana. Porque motivo quereria a FRELIMO, após ter eleito Armando Guebuza para mais um mandato à frente do seu partido, rever a constituição? Só poderá ter a ver com a vontade de alterar essa limitação constitucional de um máximo de dois mandatos para o Presidente da República de Moçambique., por forma a que Guebuza se possa recandidatar a, pelo menos, mais um mandato. Logo, é por esta questão que a RENAMO se opõe tão veementemente a uma revisão da constituição, pelo menos nestes moldes que se conhecem.

Outra questão que a RENAMO aponta prende-se com a alegada tentativa, por parte da FRELIMO, de regressar a um tipo de regime de partido único. Em verdade, diga-se, esse receio é também partilhado pela chamada “maioria silenciosa”, da qual fazem parte importantes núcleos juvenis, e justifica-se pela maioria parlamentar, de que a FRELIMO goza no parlamento moçambicano, mais do que suficiente para alterar a constituição só com os seus votos a favor. Talvez por isso, a RENAMO se mostrasse a favor da dissolução do parlamento.

A FRELIMO, no entanto, terá tudo a ganhar se não desviar para uma deriva autoritária ou de regime de partido único. A FRELIMO foi o partido mais interveniente na redacção da constituição de 2004, que é uma magnífica peça jurídica. A FRELIMO é, acima de tudo, um partido demasiado grande e responsável para destruir aquilo que tão bem construiu: a democracia mais sólida e mais estável de toda o continente africano.

Guiné-Bissau: quem tem legitimidade para discursar na ONU?

A Guiné-Bissau foi atingida por um duro golpe, no início deste ano: o falecimento do anterior presidente Malam Bacai Sanhá, vítima de doença prolongada. Ora, a Guiné-Bissau, país tipicamente frágil quanto à estrutura da sua democracia, foi alvo de um golpe de estado, no decorrer do mês de Abril deste ano, naturalmente em sequência da perda do elemento de estabilidade do país, o falecido presidente . Estava em decurso uma eleição presidencial, onde o principal candidato à vitória era o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior (que tinha suspendido mandato), quando mais um golpe de estado fez todo esse processo ser consecutivamente vilipendiado por alguns sectores militares guineenses.

Após o processo inicial de golpe de estado, surgiu o impasse entre vários países que apoiam os novos líderes políticos guineenses, e outros que não os apoiam nem reconhecem como legítimos, como é o caso do governo português.

Mas a questão não fica por aqui. Duas delegações se assumiam como legítimas de modo a representar Guiné-Bissau na assembleia. Uma está do lado de Carlos Gomes Júnior e do anterior presidente Raimundo Pereira, outra do lado do conselho de transição. Sou da opinião que só a delegação favorável a Carlos Gomes Júnior e a Raimundo Pereira, e à democracia guineense, é que serve os interesses nacionais do país, logo sou apenas favorável a essa hipótese, que é, de resto, consonante com o respeito que se deve ter pela ordem constitucional de um estado democrático e soberano, onde só o povo é que deve decidir quem é o seu líder.

Serifo Nhamadjo, o presidente de transição de Guiné-Bissau,anunciara já este mês que seria ele mesmo a representar o país “ao mais alto nível”, sendo que esta seria “uma ocasião a todos os títulos soberana para Manuel Serifo Nhamadjo informar o mundo sobre a evolução da transição na Guiné-Bissau, fundamentalmente no que diz respeito aos aspectos político-económico, social e segurança interna”, isto segundo o comunicado redigido pela Presidência Guineense. Ainda segundo o mesmo texto, Nhamadjo “é um dos convidados de honra do governo dos Estados Unidos para participar numa recepção que será oferecida nesta circunstância a mais de 100 personalidades”. Johnnie Carson, responsável do governo norte-americano para os assuntos africanos, já tinha, de resto, confirmado a presença de Nhamadjo.

Na passada Terça-feira soube-se que Guiné-Bissau passará a usar passaportes da CEDEAO, a comunidade de estados de desenvolvimento da África Ocidental, precisamente aquando do início da Assembleia Geral da ONU, que principia precisamente hoje, em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América. Esta decisão pode significar um apoio implícito de alguns parceiros africanos às novas autoridades guineenses.

Devido à falta de entendimento entre guineenses, a decisão tomada pelo Legal Counsel da ONU decidiu que seria Raimundo Pereira a discursar na Assembleia-geral da ONU. Porém, uma providência cautelar interposta pela CEDEAO impediu que isso acontecesse.

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A decisão tomada pelo Legal Counsel da ONU, acerca de quem devia representar a Guiné-Bissau na Assembleia-geral, teve em conta a situação democrática antes do golpe de 12 Abril; teve em conta o valor que uma constituição possui; esperei. Igualmente, que não se confundisse o caso guineense com o caso líbio, em que o Conselho Nacional de Transição líbio foi convidado, em 2011, a representar o povo líbio, em virtude da revolta contra o regime de Kaddafi. É que na Guiné-Bissau o poder estava a ser exercido de forma democrática e o golpe de estado não representou, de forma alguma, a vontade do povo.

O facto de ser Raimundo Pereira, presidente deposto da Guiné-Bissau, a discursar na Assembleiageral da ONU, constituiria uma notícia altamente positiva para todos aqueles que defendem a Democracia.

Notícia positiva porque respeita a ordem constitucional guineense.

Notícia positiva porque repõe justiça e a vontade do povo guineense em prática.

Notícia positiva porque demonstra implicitamente a posição da ONU face ao golpe de estado efectuado pelas autoridades guineenses golpistas.

Precisamente na senda desta decisão importantíssima da ONU, a FRENAGOLPE, frente anti-golpe da Guiné-Bissau, reuniu quase 100 mil assinaturas, num documento contestatário do regime golpista guineense, que fará chegar aos governantes dos países da CEDEAO, assim como à União Africana, ONU, União Europeia e países francófonos. Com efeito, o Secretário Executivo da FRENAGOLPE, Iancuba Djola Indjai, tem toda a razão quando indaga o seguinte: “Não estamos de acordo com a geometria variável da CEDEAO nos casos do Mali e da Guiné-Bissau porque, se neste país a mesma organização não negoceia com golpistas, porque é que o faz?”

Mas a decisão foi a de impedir o discurso de Raimundo Pereira, presidente guineense à data do golpe de estado. E agora, ONU? E agora Guiné-Bissau? E agora África?

 


Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana