O estatuto e outras parvoíces

Esta crónica vem a propósito de um episódio recente que se sucedeu, não menos caricato do que episódios anteriores, ou não fosse esta minha vida de divorciada uma breve caricatura. Um dia destes estava na Trindade, perto da estação do metro, na minha cidade natal, um jovem simpático abordou-me para colocar algumas questões a respeito de economia circular ( se querem saber mais sobre economia circular pesquisem no Google, eu não vou escrever sobre essa tema porque se o fizer esta crónica torna-se um aborrecimento ) quando me questionou sobre o meu estado civil, eu, plena de confiança ( e alguma altivez sã, confesso ) respondi: Divorciada. O jovem despediu-se com um típico: Foi um prazer conhecê-la! Claro que é um prazer me conhecer, toda a gente me diz o mesmo, eu é que não penso o mesmo de toda a gente que conheço, enfim, adiante, se o rapaz fosse mais velho 20 anos, a coisa até se podia compor, quem sabe, mas putos de 30 anos que não sabem quais são os heterónimos de Fernando Pessoa, para mim não resulta.

É esse estatuto que quero analisar, esmiuçar até à exaustão de palavras, o ser Divorciada, especialmente nesta idade que se torna uma diversão tremenda. Não és solteira, porque isso soa a solidão e dildos gastos, não és casada, o casamento é automaticamente ligado a frustração, que traduzido em português calão significa: Engolir sapos e sexo uma vez por mês, a correr bem, claro. És ( é nesta parte que se ouve o rufar dos tambores ) Divorciada, significa que te fartaste e deste um pontapé no cu de um gajo, isso é uma cena porreira de imaginar, ser divorciada é quase tão bom como ser viúvo, os viúvos têm imensa sorte com os mulheres, só a palavra em si é um chamariz, amou a esposa até ao último suspiro dela e agora sente-se só, tão romântico, um viúvo quase nem precisa de falar ou mexer, o mulherio cai-lhe no colo, literalmente. As divorciadas não têm assim tanta sorte, os homens não caem no colo nem caem aos pés, antes disso somos obrigadas a passar por uma análise minuciosa da sociedade, porque somos consideradas as loucas, há cinquenta anos as nossas avós foram grandes mulheres, suportavam tudo por amor ao marido e filhos – infidelidade, violência, solidão – as mulheres de hoje em dia não conseguem suportar nada, não conseguem manter um casamento, qual é o problema de um par de cornos ou de dois murros numa porta? Já sabemos que o amor tem de ser sofredor, submisso e desditoso, se assim não for não é amor, esta sequência de adjectivos recorda-me a malta da autoajuda que resume a resiliência numa frase: Se queremos chegar ao topo da montanha, para a escalar, temos de sofrer muito, muito, muito, ora se tenho de sofrer muito, muito, muito, então prefiro manter-me cá em baixo, no local dos zé-ninguéns, até bate o sol aqui e tudo, um mimo.

A propósito de sermos as loucas, conto outra peripécia igualmente fixe, para além da expressão de estranhez que aprecio nas pessoas quando digo que estou divorciada há algum tempo, também encontro quem se anime com a coisa, porque encontra em mim alguma empatia e sabedoria, exemplificando, é como se eu tivesse um bacharelato em divórcio e as pessoas ainda estivessem a meio da licenciatura, com cadeiras como “manda-os foder” e “usa preservativo” por terminar. Continuando, uma colega perguntou-me o que é que eu andava a fazer porque estava mais magra, eu disse que andava num ginásio no centro de cidade, na meia hora posterior ouviu o meu discurso motivacional sobre amor-próprio, empoderamento feminino, independência emocional e financeira e ainda, o chamamento divino, ou seja, uma seca, já  ninguém quer saber destas merdas para nada.

A verdade é que não ando em ginásio nenhum, os euros não chegam para tal luxo, nem para cigarros quanto mais para o ginásio, estou mais magra porque me desloco a pé para todo o lado, para poupar dois euros e meio em senhas dos transportes públicos, pois isto de ser independente e empoderada dá uma trabalheira do caraças. A minha sorte é que ontem comprei um chocolate, que escondi dos miúdos, será a minha salvação esta noite. Bendito chocolate.