O Eterno Fado Português

FADO!

No dicionário da Língua Portuguesa, “Fado” é um substantivo masculino (singular ou plural) ou a conjugação do verbo “Fadar”, na 1.ª pessoa do singular, no presente do indicativo.

Em termos de significado, no singular, existem três definições:

1) Força superior que se crê controlar todos os acontecimentos (sinónimos: destino, estrela, fadário, fortuna, sorte;

2) Aquilo que tem de acontecer, independentemente da vontade humana (sinónimos: profecia, vaticínio);

3) Canção portuguesa, geralmente interpretada por um vocalista (fadista), acompanhado por guitarra portuguesa e guitarra clássica (eventualmente, guitarra baixo). Surgido na Lisboa popular do século XIX e progressivamente difundido por todo o país, o fado tornou-se um ícone cultural de Portugal. Geralmente lento e triste, principalmente quando fala de amor e de saudade, o fado também pode ser animado e jovial quando aborda temas sociais ou festivos. Em 2011, a UNESCO considerou o Fado como património cultural e imaterial da humanidade.

4) Vida de Prostituição;

5) Pândega, Vadiagem (Trás-os-montes).

Como substantivo masculino plural:

6) Conjunto inevitável de acontecimentos, cuja ocorrência não depende da vontade dos indivíduos (sinónimo. fatalidade);

7) Forças de gerem o destino humano (sinónimo: providência);

8) Fim de vida.

Como sinónimos do verbo Fadar, temos: Predestinar; Determinar a sorte de; Dotar, Vaticinar.

Mesmo sem lermos o dicionário, muitos de nós conseguiríamos de certo encontrar definições para “Fado” muito semelhantes a estas, assim como encontrarmos facilmente alguns dos sinónimos atrás indicados.

O que certamente não saberíamos é que etimologicamente, a palavra não é genuinamente de origem portuguesa, mas sim vinda da palavra latina fatum, com os significados: oráculo, previsão profecia.

Luís de Camões, século XVI “cantou” o Fado neste belo soneto:

«Com que voz chorarei meu triste fado, / que em tão dura paixão me sepultou. /
Que amor não seja a dor que me deixou / o tempo, de meu bem desenganado.
Mas chorar não estima neste estado / aonde suspirar nunca aproveitou. /
Triste quero viver, pois se mudou / em tristeza a alegria do passado.
Assim a vida passo descontente, / ao som nesta prisão do grilhão duro / que lastima ao pé que a sofre e sente.
De tanto mal, a causa é amor puro, / devido a quem de mim tenho ausente, / por quem a vida e bens dele aventuro.»

Mas Gil Vicente, século XV/XVI também utilizou o étimo “Fado”, no seu Auto do Velho da Horta (1512), na intervenção da personagem “Velha”:

«Ui amara do meu fado! / Fernandeanes, que é isto? / Oh pesar do antecristo / C’a velha destemperada!»

No século XVIII, Bocage, o “eterno malfadado”, cantava assim também o seu próprio e miserável FADO:

«Aquele, a Quem Mil Bens Outorga o Fado / Desejo com razão da vida amigo /
Nos anos igualar Nestor, o antigo, / De trezentos invernos carregado:
Porém eu sempre triste, eu desgraçado, / Que só nesta caverna encontro abrigo, /
Porque não busco as sombras do jazigo, / Refúgio perdurável, e sagrado?
Ah! bebe o sangue meu, tosca morada; / Alma, quebra as prisões da humanidade, /
Despe o vil manto, que pertence ao nada!
Mas eu tremo!…Que escuto?…É a Verdade, / É ela, é ela que do céu me brada: /
Oh terrível pregão da eternidade!»

Almeida Garrett, no Romantismo do século XIX, também fala fo Fado, neste seu lindo poema de nome “Destino”:

«Quem disse à estrela o caminho / Que ela há-de seguir no céu? / A fabricar o seu ninho /

Como é que a ave aprendeu? / Quem diz à planta «Florece!» / E ao mudo verme que tece /

Sua mortalha de seda / Os fios quem lhos enreda?

Ensinou alguém à abelha / Que no prado anda a zumbir / Se à flor branca ou à vermelha /

O seu mel há-de ir pedir? / Que eras tu meu ser, querida, / Teus olhos a minha vida, /

Teu amor todo o meu bem… / Ai!, não mo disse ninguém.

Como a abelha corre ao prado, / Como no céu gira a estrela, / Como a todo o ente o seu fado /

Por instinto se revela, / Eu no teu seio divino. / Vim cumprir o meu destino… /

Vim, que em ti só sei viver, / Só por ti posso morrer.»

No final do século XIX, Eça de Queirós, faz várias referências à audição de «Um Bom Fado», nas noites de Lisboa.

Já no século XX, Amália interpretou o lindo poema de José Régio “Fado Português”:

«O Fado nasceu um dia, / quando o vento mal bulia / e o céu o mar prolongava, /

na amurada / dum veleiro, / no peito dum marinheiro / que, estando triste, cantava, /

que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha, / meu chão , meu monte, meu vale,  / de folhas, flores, frutas de oiro, /

vê se vês terras de Espanha, / areias de Portugal, / olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro / do frágil barco veleiro, / morrendo a canção magoada, /

diz o pungir dos desejos / do lábio a queimar de beijos / que beija o ar, e mais nada, /

que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus. Adeus, Maria.  / Guarda bem no teu sentido / que aqui te faço uma jura: /

que ou te levo à sacristia, / ou foi Deus que foi servido / dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia, / quando o vento nem bulia / e o céu o mar prolongava, /

à proa de outro veleiro / velava outro marinheiro / que, estando triste, cantava, /

que, estando triste, cantava.

Tudo isto, caros leitores e, pedindo desculpa por tomar o vosso tempo e paciência com alguns trechos literários, para refletir um pouco sobre este malfadado fado português que não tem fim. Apesar de antigo, soberano e conquistador, este povo luso desde sempre na sua história se teve que defrontar com o seu terrível destino da dor, do sofrimento, quer no amor (lembro Pedro e Inês), quer no eterno sentimento de orfandade que perdura até hoje (recordo o drama do desaparecimento de Dom Sebastião), quer na política (lembro a ocupação espanhola do século XVI/XVII), quer na terrível guerra colonial e não menos pouco eloquente descolonização pós revolucionária, quer ainda nos pouco dignificantes pedidos de auxílio financeiro ao estrangeiro (três vezes em 40 anos), com a consequente humilhação da perda de soberania e na perda de poder de decisão acerca dos nosso próprio destino; quer ainda, para finalizar, no desporto, no qual, salvo honrosas exceções, somos muitas vezes os melhores do mundo, mas nunca conseguimos chegar ao topo e vencermos.

Não conseguimos assim muitas vezes ultrapassar este sentimento permanente de incredulidade em nós próprios e no nosso próprio valor. Sempre que triunfámos no passado, individualmente ou em conjunto, conseguimos superar os outros pela inteligência, pela estratégia, por fazermos prevalecer o nosso poderio enquanto herdeiros dos povos mais antigos da humanidade, em cujas veias corre um puro sangue, com o melhor que existiu de povos como os Fenícios, como os Persas, como os Eslavos, como os Nórdicos, como os Norte-Africanos, como os Próximo-Orientais, os Latinos e os Gregos Antigos. Esta mistura de povos deu origem ao Povo Lusitano, cujas características são inimitáveis e irrepetíveis.

De tudo o que herdámos de bom, herdámos também o “fadismo”, o “pessimismo”, o “não-consiguismo”, resumindo, o chamado “morrer na praia”.

É assim na política, é assim no futebol, mas ainda os temos, portugueses, que conseguem ultrapassar esse mau gene e chegam ao topo. Esses são os nossos heróis e temo-los muitos, desde históricos estrategas políticos, escritores ou poetas, cientistas, desportistas, diplomatas e todos os que saem do país, com a coragem suficiente para deixar a sua terra sagrada para trás, na esperança de um dia voltarem, para ajudarem na sua melhoria.

É assim Portugal! Temos apenas 9 séculos de história, somos ainda umas crianças! Lutemos todos então por um futuro próspero e promissor, combatendo o “fadismo” que há dentro de cada um.