O malcriado – Maria João Costa

Criticam, dizem que é feio, que parece mal, que é uma voz do norte quando ouvem uma palavra menos simpática; dizem que é falta de educação, é um “não sabe estar” que incomoda tias de Cascais e da Foz (por incrível que possa parecer, há quem não use palavrões no Porto); é um “vais para o colégio interno” sempre que o mais novo deixa escapar o que ouviu no bolhão. Ameaças, estereótipos, frases feitas, que não passam disso. No fim, todos passam por lá. Mais novos, mais velhos, ninguém escapa. E quem nunca cometeu esse “pecado” não sabe como sabe bem.

O Manoel de Oliveira, o Malato, o Eusébio e outros tantos, abriram a boca até atrás, com vontade, sem medo, nem preconceitos. Esperaram pelo momento certo e … “pela boca morre o peixe”, e quem o comeu foram eles. Ficaram com as pontas dos dedos pegajosas, pediram mais três guardanapos, e um outro para fazer de babete. Foram à segunda rodada, no final sorriram para a fotografia e deixaram uma dedicatória àquele que consideram como um dos melhores restaurantes para comer peixe no Porto. O malcriado. É bom e recomenda-se. Cheira à peixe freso da lota, é grelhado nos fogareiros das avós, e os talheres já perderam o brilho de tantas vezes que foram lavados. Não se deixam levar pelo moderno, mantêm a tradição no atendimento, como no espaço. As paredes contam a história de quem faz parte da história daquelas quatro paredes.

O Malcriado, o dono, chega a ser mesmo malcriado, confidenciou um dos clientes que não troca aquela dourada por nenhum caviar; o Malcriado já tem uma idade que impõe respeito, mas continua a atender os clientes e cuidar de cada um como sempre o fez. Os palavrões não tiram o apetite a ninguém, muito pelo contrário, com um vinho branco a acompanhar, são o melhor tempero.

É no norte, e quem por aquela porta entrar, ao malcriado vai querer voltar; até as tias de Cascais os dedos vão lamber e um palavrão vão dizer, assim que o peixe grelhado as fizer derreter.

Crónica de Maria João Costa
Oh não, já é segunda feira outra vez!