O manequim, meu manequim

Pegaram-me suavemente pela cintura e colocaram-me numa montra decorada com a iluminação de há um ano.

Depois de desviarem uns objetos, um homem de fato elegante e uma mulher de saia a condizer com uma blusa beije, puseram-me entre outros dois manequins, exibindo como eu roupas de andar por casa igual à da maioria das pessoas que parava diante do vidro a olhar para nós ou a mirar o interior da loja, como se andasse à procura de alguma que pensasse assentar-lhe melhor no corpo do que essa que traziam vestida.

O do meu lado direito, era sensivelmente da minha altura e vestia umas calças azuis de sarja masculinas acompanhadas de uma camisa de flanela aos quadrados, que mandava para segundo plano o facto de que, com o frio que fazia lá fora, quem decidisse comprar o conjunto não pudesse sair à rua sem vestir também um casaco. O do lado oposto, tinha calças pretas e no lugar de uma camisola clara que não fizesse parecer que estava de luto, tinham-lhe posto um sobretudo pesadíssimo com que uma pessoa não sairia à rua, a menos que quisesse que pensassem que estava a caminho de um velório.

Já eu, expunha roupa de senhora, mas de um tamanho inferior ao meu e, por isso, era natural ter as pernas e o peito quase todo à mostra. A blusa tinha um grande decote em v nas costas e trajava saia de veludo, a imitar um tecido que, a julgar pela expressão de espanto no rosto delas, devia ser desconhecido da maioria das pessoas que ficavam estáticas a olhar para mim. Por fim, usava sapatos de salto em altura superior ao que era no meu caso necessário para dar nas vistas e trazia diversos acessórios, como colares que conferiam ao pescoço o aspeto que gostaria que sempre tivesse, além de uma bolsa de alça a tiracolo, diferente por ter um ar mais leve das que até ali me tinham posto para combinar com os conjuntos práticos de verão.

Concordo com a ideia de que, a aproximar-se o final do ano, o período natalício é uma quadra especialmente alegre. É assim como nós nos mascararmos com os fatos de carnaval no outono e não nos sentirmos tristes por não sermos reconhecidos à primeira por alguma das pessoas que habitualmente nos veem. Mas na azáfama de comprar os presentes de oferta, é mais frequente, ao olharem para nós, as pessoas repararem nos modelos desenhados pelos grandes costureiros, do que na beleza das formas dos manequins que os suportam.

Nesta loja, somos três manequins efetivos e há ainda outros dois guardados na arrecadação, pelos quais nos substituem quando um de nós precisa de conserto. Temos os cinco, praticamente as mesmas medidas, a mesma altura e o peso aproximado ao que gostariam de ter as mais gordinhas, que os cobiçam as fatiotas elegantes e ainda se põem a pensar no que nos vestiriam se fossemos tão largas de anca como elas.

Costumam dizer que os manequins são como os anjos, não têm sexo. Porém, considero-me um manequim do sexo masculino, embora me vistam preferencialmente com roupas de senhora, de que nunca ninguém fica a saber ao certo se gosto, porque através do rosto que se mantém inalterado eu não sou capaz de denunciar aquilo que penso.

No outro dia, cobriram-me com um vestido tão ousado que, no caso de ser usado numa receção pela esposa de um político, daria lugar a perguntarem se a intenção dele era perder as próximas eleições. Às vezes, através do par de óculos espelhados de alguém de quem estou apenas separado pelo vidro, tenho a sorte de ver refletida a minha imagem, de olhos brilhantes que à luz do conhecimento atual, deve querer dizer que estou feliz. Assim como se fosse uma estrela ao centro de uma galáxia, que ainda faz chegar à Terra uma réstia da luz com que andou a semear alegria noutros planetas.

Apesar de o Natal se aproximar a passos largos, vem distante a época de saldos, em que ainda mais gente acorre a fazer trocas e a comprar coisas a metade do preço. No entanto, nota-se a partir deste mês que na ânsia de preencher uma lista de compras, tantas vezes feita para agradar a pessoas de quem ao longo do ano se perde o rasto, muitas pessoas gastam excessivamente. Tanto que talvez só conseguissem não ultrapassar o teto máximo daquilo que pretendiam gastar inicialmente, se em vez de descontos cinquenta por cento, obtivessem em tudo o que levassem para casa, descidas no preço final de, pelo menos, noventa.

Pelas minhas contas, passarei aqui o Natal e o Ano Novo, mas não é dado como certo que ainda aqui esteja no carnaval. Ou então que possa ser eu, mas não me reconheça com um disfarce do carnaval de Veneza, quem habitualmente me vê nessa época fantasiado de Pierrô.

Até lá, continuo por aqui, à espera de ver passar por estes corredores alguma personagem com piada que me faça rir. Mas rir a valer. Como se de repente eu, pelos meus próprios meios, já pudesse andar e, sem ter ninguém a chatear, me deixassem num relvado a correr e a saltar para recuperar todo o tempo até hoje perdido.