O papel da comunicação social

Eu sei que já escrevi sobre isto, mas a actualidade impõe que se fale novamente.

Há uma constante confusão entre aquilo que é interesse público do que é interesse do público. Embora nem sempre seja fácil a distinção, por vezes a mesma é demasiado óbvia e nem por isso respeitada. Hélder Prior explica a diferença num artigo do P3 do Público: “Enquanto que o interesse público remete para a publicação de factos ou acontecimentos que o cidadão tem o direito de conhecer no contexto de uma sociedade transparente e verdadeiramente democrática, o interesse do público aponta para questões relacionadas com a exploração de produtos ou artefactos informativos que apenas têm como propósito activar a atenção dos leitores e satisfazer a sua curiosidade.”

E, nos últimos tempos, são cada vez mais os órgãos de comunicação social a querer satisfazer a curiosidade do público, mais do que verdadeiro jornalismo, isento, ético e legal. Porque de cada vez que um órgão de comunicação atravessa a linha que separa o interesse público da simples curiosidade do público, pode esta a entrar no campo da reserva da privacidade ou da difamação. A primeira aconteceu, por exemplo, com o caso que envolveu Cristiano Ronaldo e o Correio da Manhã. Segundo a decisão do tribunal, o jornal violou a reserva da vida privada do jogador de futebol e da sua família. Porque o facto de ser uma figura pública não significa que não tenha direito à sua privacidade e à privacidade da sua família.

Da mesma forma, publicar noticias infundadas, sem fontes fidedignas e verificadas ou – pior – de casos judiciais que estão em segredo de justiça pode bem ser interpretado como difamação, atentado ao bom nome e prejudicar as investigações. Acima de tudo, cria nos leitores uma imagem de uma realidade que ainda não foi provada. Em todo o mundo já existiram casos de suspeitos cuja comunicação social tratou, recorrendo ao calão, “abaixo de cão” e mais tarde (algumas vezes anos mais tarde) foram ilibados e libertados. Mas nessa altura, já a sua imagem estava irreparavelmente abalada pelo que a comunicação social havia publicado.

Como diria uma pessoa do staff do Mais Opinião, “[a comunicação social] dá às pessoas o que elas querem, pois é isso que vende”. E, para mim, é isso que está errado. Os jornalistas têm o dever moral e ético de informar. E de informar perante as regras, respeitando a Lei e, consequentemente, os direitos essenciais, constitucionalmente protegidos, de quem é o sujeito da noticia. Senão a comunicação social torna-se uma gigantesca “casa dos segredos”.

 

Crónica de João Cerveira