Os vacina-sobras

Olá leitores, como têm passado? Estão bem de saúde? Esse lay off e teletrabalho? Aturar os filhos vinte e quatro horas por dia como tem corrido? Ver o lindo rosto da esposa ou do marido ( ou os dois quem sabe )  todo o dia é um privilégio, não é? O trabalho doméstico também corre às mil maravilhas? Os 66 por cento pago pelo Estado dá para umas cervejinhas, uns chocolates e mais uns gigabytes de internet? Estupendo! É sempre bom ouvir testemunhos de quem se tem desenrascado lindamente no meio de uma pandemia mundial, gerido pessimamente pelo nosso Governo e cujo povo tem demonstrado aquilo de que é feito: enorme falta de bom senso, respeito e humanismo, em português vernáculo diria: “O Zé povinho só pensa no cu dele”.

Mas o motivo desta crónica não é de modo algum tecer críticas ao governo e aos portugueses, o motivo é comunicar aos leitores que eu já tomei a vacina! Sim, é verdade, tomei a pica da task force, a segunda dose está a caminho se Deus quiser ( tenho tido sérias dúvidas sobre o que Ele realmente quer, chamem-lhe fé minguada se preferirem ). Antes que os leitores lancem as forquilhas sobre a minha estimada pessoa eu vou explicar o motivo de uma pessoa comum como eu ter tomado a vacina, não cumprindo a ordem do plano nacional de vacinação designada pelo Governo.

O plano nacional de vacinação iniciou a 27 de Dezembro de 2020, composto por três fases, não vale a pena especificar porque já todos sabemos de cor e salteado quais são os grupos prioritários, o primacial do nosso estado e sociedade económica, estão incluídos também os fura-filas da vacina, os chicos espertos e os vacina-sobras, este último é considerado um grupo prioritário atualizado há meia dúzia de dias no catálogo nacional de vacinação, este grupo é deveras diversificado, ora vejamos: O marido da doutora que desempenha a função de motorista da esposa pois esta não conduz porque sofre de joanetes, a sobrinha do presidente da associação não-sei-das-quantas que costuma ir ajudar o tio umas horitas com os velhinhos, a Dona Joaquina das limpezas, o empregado de balcão simpático, giro e com um rabo jeitoso ( se é giro e tem um rabo jeitoso tem toda a legitimidade para tomar a vacina, pois é preciso fazer bebés, muitos bebés durante e depois desta pandemia ) da confeitaria aonde os dirigentes de saúde tomam o cafezinho e o pastel de nata e ainda a prima da filha da irmã da tia da Dona Gertrudes, que é costureira na instituição lá no sítio aonde judas perdeu as botas e que, coitadita, merecia a senhora, não era considerada prioritária mas merecia a vacina, era o dia de aniversário da senhora e tudo, falemos com toda a assertividade como a madame que afirmou “Quem não deve não teme, nós não fizemos nada de mal”, um amém e dois pais-nossos para esta rainha.

Portanto, estatisticamente 2,74 % da população já recebeu a primeira dose da vacina. Uau! Estupendo! Magnifico! Estou a irradiar esperança por todos os poros! Bem feitas as contas, 1+1 e 6×7, sou péssima a matemática, lá para 2024 o resto da população é vacinada, a correr bem claro. Não que eu me sinta particularmente preocupada, a toma da primeira dose da vacina já cá canta, calma leitores, no próximo parágrafo eu desmitifico este imbróglio, mas estou solidária pelos meus conterrâneos sem cunhas.

De qualquer forma os portugueses não têm de se sentir angustiados e tensos com esta situação, os nossos governantes já afirmaram que a vacinação indevida é crime e será punível pela lei, todos nós sabemos que a justiça em Portugal é rápida, eficaz e nada alienada, estamos bem entregues e vamos todos ficar bem!

Se serve de algum consolo, basta ler as notícias para sabermos que o que se passa no nosso pequeno Portugal também se sucede por todo o mundo, os vacina-sobras, os fura-filas e os chicos espertos têm dominado as primeiras páginas dos jornais, “A ocasião faz o ladrão” já dizia a minha avó e não é o fim do mundo, imaginem se fosse. Quanto à toma da minha vacina, não se apoquentem, seria assunto para outra crónica. Namastê ou que se lixe isto tudo.