Por Dentro

E exausta de tudo e todos meteu-se num táxi com os últimos trocos que tinha no bolso, levou com o vento quente na cara e sentiu saudades das viagens; terras sem destino e estradas sem fim, verdes que a preenchiam e alguém que sabia exactamente todo o seu “por dentro”.

O “por dentro” é muito fundo, muito vasto e muito escuro, e só os dotados de empatia pura lhe chegam a tocar ao de leve. Por dentro. Em. Lá.

Ao levar com o vento, dorida do trabalho e dividida em emoções, lembrou-se de como era bom chegar ao final fosse do que fosse, e ter o Mundo à espera e partir…só com gasolina no depósito e duas maçãs na carteira, como se o futuro fosse escrito pelas mãos do Além, nunca pelas nossas.

Quem diria que o destino iria reservar para hoje a exaustão e a falta das noites dos grilos, em que o medo de bichos é comido pelo som melódico dos mesmos, em que o cabelo pede um mergulho à noite e sexo na beira da estrada, em que um copo de vinho passa a três enquanto o olhar faz o resto.

Ele sabia como trata-la; nunca foi um acaso chamar-se Princesa. Mostrou-lhe cantos e saltaram muros, leu-lhe passagens importantes e deixou-a entrar. O segredo era esse, deixá-la entrar. Pois ela ansiava sempre o mais verdadeiro dos outros, e só nas entranhas isso acontece.

Claro que a sua curiosidade morria ao descobrir a essência, mas era a busca que a atormentava de prazer, a caça, a luta… e só ele percebeu que a forma de a “manter” era mesmo assim; deixando sempre possibilidades em aberto, perguntas no ar, curiosidades vivas.

Dar, tirar, dar, tirar; assim se manteria uma aquariana no mesmo trilho que o nosso.

O táxi parou no destino como se a viagem tivesse durado três segundos, contrariando aquilo que ela sentia…que o carro andasse sem parar, como que ao som de Tracy Chapman, e parasse apenas quando a exaustão lhe fechasse os olhos para dormir.

Assim, a Princesa podia sempre saltar a parte em que ficaria minutos infinitos a percorrer o seu dia com a mente, aumentando os seus porquês, deixando no ar a pergunta: “hoje portei-me bem”?

Pagou a viagem, subiu escadas sem fim, deitou-se e adormeceu num ápice. Os sonhos levaram-na a uma certa tristeza e os olhos acordaram sofridos. O peso na voz ditava a regra de que, se não choramos hoje, amanhã choraremos mais e portanto livrou-se desse peso ainda na cama.

De alma mais leve, voltou a Ele e a tudo o que tinha ficado em si. “Relativiza”. Tu não podes controlar tudo. Estás a perder o dia. Já foste ver o mar hoje? Não há nada que não consigas”.

E o peso nos olhos foi saindo pela porta da frente, enquanto ela percebia pela luz do Sol atrás das cortinas que, o que Ele lhe deixou foi bem mais importante do que qualquer amor; foi a transformação daquela parte frágil que as Princesas detêm, que bem moldada se torna implacável, intransponível.

Uma pequena Rainha nasceu, a Princesa é que ainda não tinha acordado.