Sem tempo para ser

Quando começo a escrever este texto a chuva começa a cair lá fora, olho pela janela, sinto o perfume da terra molhada e na verdade apetece-me correr lá para fora e brincar como uma criança no meio da chuva. Isso me fez perguntar a mim próprio quando deixei de ser criança? Bem lá no fundo acho que nunca deixei de ser criança, tenho-a em mim como um tesouro bem escondido ou vesti uma máscara de adulto e sou uma criança vestida de adulto, como muitas vezes os meus pais costumavam fazer quando eu era criança… vestiam-me aquela roupa que era para não sujar, aquela que faz qualquer criança passar um dia sem fazer nada e pior, acabamos sempre por levar um raspanete por sujar a roupa. Acho que me fartei e um dia nunca mais tirei essa roupa e fiquei parecendo um adulto, foi uma birra que durou e quando quis ser de novo criança, já ninguém me aceitava como tal, porém de baixo da roupa sempre criança que não pode brincar. Muitas vezes pego nessa criança e procuro o brinquedo chamado passado para poder brincar um pouco, voltar a ser criança. Não há mal nenhum ser adulto, mas ser criança é muito mais divertido! Quando era criança sonhava ser um adulto para ser um herói com um super poder qualquer, até descobrir que os adultos não têm poderes e quando têm algum, não os usam e lá no fundo, tal como eu, sonham ser crianças de novo. Só não sei porque todos os heróis com aqueles super poderes são adultos, quando na verdade as crianças é que deviam ser os heróis, porque têm o poder de serem felizes mesmo na infelicidade. Acho que as crianças são enganadas, torna-te adulto e o mundo será muito melhor! A verdade é que os adultos são escravos dos olhares dos outros, porque nenhuma crianças se iria importar com o olhar de alguém para saltar para um charco no meio de uma rua. Confesso que fui uma criança muito feliz, como vivia numa quinta tinha liberdade para tudo, era o Trazan lá do lugar e cão o leão que eu derrotava todos os dias. Hoje tenho pena quando vejo crianças vestidas de adultos, daquela roupa de marca e a usarem coisas de adultos, ou seja, penso que a criança está a morrer mais cedo para nos tornamos adultos ainda mais infelizes e cinzentos, sem uma criança escondida em si, porque nunca foi criança e para mim o ser uma criança feliz, é ser um dia um adulto melhor.

É verdade, aquele mundo de fantasia de criança é a penas uma doce ilusão e que o mundo dos adultos tem coisas que nos magoam e outras mais doces do que julgamos, não pudemos ser eternos numas das fases da nossa vida sem perdemos com isso, uma das coisas que aprendemos em adultos é de que um sonho que tantas vezes sonhamos tem sempre um preço muito alto a pagar, só damos conta quando olhamos para trás e vermos o quanto perdemos, mesmo que o sonho compense, sempre se perde a algo que não tem volta. Um casamento por exemplo, muda tanto a nossa vida, nos tira de locais dificilmente teremos tempo para o sentir como antes. Nós muda a nós próprios e um dia nos damos conta o quanto pagamos por isso… se calhar vale muito mais do que isso outras vezes não e quando queremos voltar, já nada é igual, parece que os lugares nos dizem, já não fazes parte daqui… a vida é feita de mudanças, umas boas e outras nem tanto, entre essas mudanças muitas coisas ficam para trás e outras acabam de chegar. No fundo, vamos criando os nossos espaços neste mundo demasiado ocupado pelas pessoas e pelo tempo. Chamamos a um lugar de nosso, quando já foi de muitos e continuará a ser! Tudo não passa de uma espécie de quatro hotel que um dia será ocupado por outras pessoas. Penso que não vale muito lutar pelo que julgamos nosso e sim aproveitar em ser em cada lugar o que somos, ou um dia chegaremos a idosos e teremos saudades de sermos adultos. Sempre vamos ter saudade de ser algo… mas se o formos de verdade, talvez a gente sorria um pouco mais!

O que acontece hoje em dia é que muitas vezes a vida passa sem termos conseguido ser no momento certo. Vejo pais a deixar os filhos com alguém para saírem todos os fins de semana, porque nunca chegaram a ser jovens na sua plenitude ou adolescentes a serem adultos e o ser crianças está praticamente apagado por uma sociedade que querer que a gente avance rápida demais, já não há tempo para sermos o que temos de ser no momento certo, adiamos para um dia mais tarde, esquecemos que nesse mais tarde teríamos que ser outra fase ou seja, vamos sempre nos adiar, é estranho, porque amanhã teremos de ser outra fase…

Eu nunca serei um idoso como foram meus avós ou meus pais, hoje até isso é adiado, só quando já não tens a liberdade de ser consegues parar e ser algo que a sociedade abandona, já só resta a embalagem de um produto que fostes e tentarão tirar de ti tudo que possa existir de ti ainda, seres apenas mais um a espera de um lugar no prometido paraíso, sem na tua vida nunca teres parado para sentir que já vives num, não para sempre,mas não se engane! O paraíso é aqui e o resto, é a singularidade….

Momento deprimente para mim, olhar a chuva cair e ver todo mundo com as janelas fechadas