Telenovelas: chão que deu uva… – Rafael Coelho

Longe vai o tempo em que a televisão era uma das maravilhas da tecnologia do século XX. Hoje em dia, abrir um canal de televisão é uma tarefa quase tão banal quanto abrir uma loja de roupas. O advento da TV por cabo, veio proporcionar ao “pequeno ecrã” uma pluralidade de assuntos, temas e escolhas tão diversificado, que chega a ser frustrante a escolha dos melhores programas que cada um prefere ver.

Longe vai o tempo em que nas estantes das salas, os livros eram substituídos pelas cassetes VHS de fita magnética nas quais arquivávamos os nossos programas, filmes e eventos preferidos. Hoje em dia, a possibilidade de programação de n gravações nas boxes fornecidas pelas operadoras de cabo, proporcionam o conforto de visualização em diferido dos nossos programas, filmes e séries favoritas, sem a necessidade de consultar a programação das diversas televisões nas revistas da especialidade. Não existe o constrangimento de nos esquecermos, de terminar a fita da cassete, de esta se poder estragar ou enrolar, de o programa ter mudado de horário, ou ainda de programar a hora de início e de fim: basta escolher o programa que a box faz o resto. O problema é muitas vezes conseguirmos ter tempo disponível para ver tudo aquilo que foi gravado e muitas vezes temos que os apagar sem ter visto. A enorme oferta com a qual hoje o consumidor é presenteado, fá-lo muitas vezes esquecer-se do mais importante: a dedicação necessária à sua família, a ajuda aos filhos nos trabalhos da escola, as saídas em passeio, em visitas a eventos, museus, exposições, a ida ao cinema em salas, ao desporto, etc., apesar de todo o conforto e comodidade que estas tecnologias proporcionam.

As atuais lutas pelo share e pelas quotas de audiência, extremaram posições nas TV’s, principalmente as ditas “generalistas”, as quais nos presenteiam com serões inteiros de telenovelas, em número de duas ou três por noite, principalmente as privadas; hábito apenas interrompido quando existe uma qualquer “Gala” de um qualquer “reallity show” ou um jogo de futebol de certas competições – excluindo a primeira liga e alguns jogos da “champions”.

Louvor seja dado à atual grelha de programação da RTP (televisão pública, que todos pagamos na conta da luz e no orçamento de Estado). Uma diversidade de temas abordados de forma muito interessante, cativante e inovadora, são-nos oferecidos diariamente pela estação do pública, desde história de Portugal, história da música, canções portuguesas que se tornaram clássicos, lições de língua portuguesa, programas informativos e de investigação, séries de temas históricos, debates e análise política e social e até um diário de humor, tudo no chamado “horário nobre”.

No entanto, a proliferação de canais de informação, uns ligados às TV’s generalistas, outros ligados a títulos de jornais e TV’s de desporto (principalmente de futebol), proporcionaram o aparecimento de uma nova classe: o comentador profissional! Frequentemente, somos brindados com as opiniões de comentadores de desporto e comentadores de tudo um pouco, cuja opinião até pode ser interessante de escutar uma ou outra vez, mas que ao assistir-se ao mesmo formato meia dúzia de vezes, o espetador mais atento e perspicaz, já quase consegue adivinhar o que determinado “comentador” irá opinar acerca de determinado assunto!

Na passada semana, estreou-se o ex-primeiro-ministro também nessa atividade, trazendo para a RTP um recorde de audiências em entrevistas políticas. Este foi um “golpe fatal” (leia-se, na concorrência) da estação pública, cujos responsáveis tiveram a visão, lucidez, coragem e agressividade suficientes, para efetuarem este convite. Sendo essa uma personagem que desperta em muitos portugueses sentimentos tão antagónicos como o amor e o ódio – e diz-se que muitas vezes os extremos tocam-se – era expectável que o regresso desse senhor viesse a proporcionar tais números à RTP numa primeira abordagem. Duvido porém que a continuidade do ex-primeiro-ministro no comentário semanal do canal, possa continuar a proporcionar idênticos índices de audiência no futuro. Para quem viu, como eu, a entrevista e os posteriores comentários à mesma, facilmente se entende que o personagem irá continuar igual a si próprio, sem conseguir sair da sua narcísica redoma, na qual definiu uma narrativa monótona, incolor e inodora, provavelmente aconselhado pelos mesmos que sempre lhe sussurravam aquela cassete onde se encontram gravados os distorcidos números e as irreais estorietas ludibriadoras do já cansado, gasto e pobre Zé Povinho.

Desta vez, o outro Zé conseguiu por uma noite que o povo esquecesse as novelas e, como não jogava o Benfica nem a Seleção Nacional, o score de audiência foi pulverizado. Será que desta vez o Zé Povinho vai aguentar os mesmos seis anos a ouvir falsidades? Vamos ver… De qualquer forma, não apetecendo já tantas novelas sempre com a história repetida, nem comentadores sempre com o mesmo timbre no comentário, ainda bem que chegaram à TV generalista, finalmente, aqueles programas que andavam “perdidos” na RTP2 e que ninguém via, mas que, de facto, são os que mais-valias trazem ao “Zé Que Vê”.

Crónica de Rafael Coelho
A voz ao Centro