“Um Amor em Tempos de Covid” – Part III

… Devias apanhar esta porcaria para veres se é “só uma constipaçãozinha””.


“Um Amor em Tempos de Covid” – Part III


Antónia desligou o telefone e sentiu um aperto no peito ainda maior do que sentia anteriormente. “Será que devia voltar para casa? Mas… Mas… Logo agora que tinha descoberto a sua vocação? Não! Não podia deixar de viver com medo do que podia acontecer” – pensou Antónia. Estava decidido! Ia continuar a ajudar os pacientes de Santa Maria. Era lá que ela fazia falta, não em casa junto da sua mãe.

Algumas horas depois, Antónia estava de volta ao hospital. Era dia de fazer 16 horas, 2 turnos, era um trabalho cansativo mas alguém tinha de o fazer. Vestiu a sua bata, colocou as luvas, os óculos, as máscaras e toda uma parafernália de dispositivos de segurança que tinha de usar, diariamente, para tentar minimizar o risco ao máximo.

E assim que ficou pronta começou a fazer a sua ronda.

– Olá, Sr. João. Como está hoje?
– Olá, menina. Estou melhor. Muito obrigado… Gosto sempre tanto de a ver. A Sra. Enfermeira é tão bonita e simpática. «coff, coff, coff» O que vale é que a minha mulher não está cá para ouvir. «coff, coff, coff» Se ela me visse a elogiar a menina estava metido em assados «coff, coff, coff» ó se estava.
– Ó Sr. João, eu é que agradeço. Você é um galanteador. Vá… Agora tome a medicação toda para daqui a pouco estar junto da sua esposa.
– «coff, coff, coff» Ai, menina, nunca eu pensei vir a ter saudades daquela velha resmun «coff, coff, coff» gona «coff, coff, coff».
– Descanse… Já falta pouco.

– Olá, D. Isabela. Está boa? Não, não, precisa de responder. E muito menos precisa de se levantar. Deixe-se estar aí deitadinha que eu trato de tudo. – D. Isabel era uma paciente que tinha saído dos cuidados intensivos há muito pouco tempo atrás. Estava ligada ao ventilador e mal se conseguia mexer mas, no entanto, sorria sempre que a via.

– Olá, olá, quem temos nós aqui?! A sua cara é nova? Não me diga que quis tirar umas férias dos miúdos lá por casa? Ou terá sido uma folga ao teletrabalho? Seu maroto… 
O novo paciente não respondeu. Muito pelo contrário. Fez um ar carrancudo, virou a face para o lado e tentou ao máximo não desatar a tossir.
– Vá… O primeiro dia é difícil para todos. Se lhe contasse o meu primeiro dia aqui você ia achar que afinal até era um sortudo.
Mas nem assim Antónia conseguiu arrancar um sorriso do desconhecido. O melhor seria tentar uma abordagem mais profissional:
– Peço desculpa. Já percebi que hoje não está com vontade para brincadeiras. Tem toda a razão. Estar aqui internado é algo muito sério. O intuito da minha brincadeira era o de aligeirar o ambiente, mas percebo que não esteja com vontade de brincar. Olá, o meu nome é Antónia e o seu «coff, coff, coff» é?

Um silêncio ensurdecedor foi a resposta do outro lado. Não iria obter respostas daquele lado. Paciência. Amanhã tentaria novamente. No entanto aquela tosse preocupou Antónia. “Será que estava tudo bem? Sim… seguramente estaria! Engasgou-se, só isso. Acontece a todos.” – pensou a enfermeira. Mas por via das dúvidas decidiu medir a temperatura assim que saiu do quarto, 37º. Um pouco mais quente do que o habitual, mas nada de especial. Tinha sido só um susto.

– Olá, Antónia. Estás boa?
– Olá, Carlos. Sim, está tudo bem. Estava só aqui a confirmar a temperatura. Sabes que hoje em dia todo o cuidado é pouco.
– Ui, nem me digas nada. No outro dia doía-me a garganta fiquei logo cheio de medo de ter apanhado Covid.
– Ah! Ah! Ah! Ó pá, não me digas nada. Ainda agora tossi e achei o mesmo. Estamos a ficar doidos é o que é. Isto tudo dá conta de nós. Olha, sabes quem é o paciente novo do quarto 23?
– Não, porquê? Não me digas que tens uma paixoneta por um doente? Olha que isso nunca acaba bem.
– Ai que parvo, pá. Claro que não. Só perguntei porque nunca o tinha visto e não encontrei a ficha de paciente junto à cama.
– Deve estar ainda no S. O.. Ele veio transferido de lá. E acho que passou mal.
– Ora bolas, e eu a brincar com ele. Pobre coitado.

Nesse mesmo dia Antónia deu por si a tossir mais cinco ou seis vezes. A impressão na garganta provocada pela tosse provocou-lhe uma irritação, a irritação deu origem a uma ligeira dor de garganta e antes que ela desse por isso estava a ser chamada ao gabinete da chefe de enfermaria.

– Olá, Antónia. Como se sente?
– Bem!
– De certeza?
– Sim, quer dizer, estou um pouco cansada. Mas é normal. Estou aqui há já 12h.
– E essa tosse?
– Qual tosse?! Ah! Isso não é nada. Engasgei-me com a saliva de manhã e tenho estado o dia todo com uma impressão na garganta por causa disso.
– Febre?
– Não. Já confirmei.
– Dores de cabeça?
– Só o normal. Se não bebo café de 2 em 2h fico assim.
– Olfato e paladar?
– Paladar? O que é isso? Para saber como estava o paladar significava que tivesse conseguido comer qualquer coisa…
– Antónia, acho que por hoje já chega. Se não se importasse fazíamos um teste à Covid e ia para casa até amanhã, pode ser?
– Tenho opção?
– Não!
– Então venha de lá essa zaragatoa.

Antónia relaxou, inspirou fundo e deixou-se penetrar pela coisa mais fina e, ao mesmo tempo, mais incomodativa que alguma vez tinha tido dentro dela…

TO BE CONTINUED…

(Nota do autor: Prometo que a IV parte será bem maior. Esta era para ter sido maior mas já é tarde e a preguiça está a tomar conta de mim. Queridos (3 ou 4) leitores juro que para a semana que vem até vão ficar de olhos em bico com tanta coisa que irá acontecer. Ui, se vão…)