Uma Democracia pouco democrática

Depois de umas eleições para o parlamento europeu onde a grande notícia foi a emergência de actores políticos radicais tanto da esquerda como da direita, nas mais variadas zonas da Europa (não sendo portanto um fenómeno regional), muita gente falou sobre a grande fatia que constituiu a abstenção. Ora a abstenção não é um fenómeno novo, e tão pouco sofreu o aumento dramático que muita gente apregoou em Portugal, tentando esconder o elefante na sala, na ressaca das eleições para o Parlamento Europeu.

De facto, no caso português, se atentarmos à recente onda de emigração chegamos à conclusão de que o número de votantes nestas eleições será muito semelhante ao número de votantes em anteriores edições. Com isto não pretendo sugerir que a abstenção deve ser desconsiderada, mas antes que a mesma deve ser olhada com seriedade e não apenas quando os resultados das eleições não são os mais favoráveis às nossas pretensões.

A abstenção tem sido um dado constante em todas as eleições e não é um facto exclusivo de Portugal, estando presente mais ou menos por toda a Europa, com excepção dos países que cristalizaram na sua lei a obrigatoriedade do voto. Novamente, desengane-se quem pensa que estou prestes a alvitrar que o voto obrigatório resolveria a questão. Nada disso. Pensar assim é um erro crasso, já que se menorizam as verdadeiras causas da abstenção enquanto que implicitamente se afirma que tudo se deve à preguiça e irresponsabilidade dos cidadãos que não votam. Na realidade, este tipo de raciocínio tem sido utilizado pelas grandes elites políticas Europeias sendo uma das grandes causas para a ausência de um verdadeiro confronto ideológico na Europa. Em detrimento do debate e confronto de ideias, temos o  já gasto discurso dos mandriões do Sul versus os trabalhadores do Norte, o que na minha modesta opinião, é também uma das razões para os altíssimos valores da abstenção.

O descrédito popular em que a maioria das instituições europeias caiu tem vindo a acentuar-se e a abstenção é apenas uma demonstração disso mesmo. O cidadão comum não se revê na maioria dos actores políticos e vê-se de mãos atadas para alterar o panorama.

Por outro lado, os processos de decisão, quer da União Europeia quer da maioria dos seus Estados Membros, encontram-se demasiado distantes dos seus cidadãos, que são confrontados com uma Democracia pouco democrática. O voto passou a ser visto como um bilhete para um espectáculo mediático de 4 ou 5 anos, consoante a duração dos mandatos, onde o povo não tem qualquer intervenção. Apenas o próprio sistema se pode regenerar, as manifestações populares são cada vez mais insípidas, e quando realmente ameaçadoras, são assimiladas ou mistificadas.

A corrente fórmula para as estruturas democráticas europeias urge ser repensada, e o pináculo da questão reside em como alcançar uma maior participação dos cidadãos nos processos de decisão das democracias. Actualmente, mesmo as decisões mais fracturantes são tomadas sem que o povo seja tido nem achado. E se a competência é o que legitima este tipo de actuação então estamos perante uma tecnocracia e não uma democracia.

A participação popular não pode nem deve cingir-se ao voto nas eleições, sendo que as estruturas devem incorporar mecanismos e ferramentas que aproximem o poder do povo, sem que isto seja sinónimo de uma perda de eficácia. O próprio  sistema eleitoral, especificamente no caso português, deve ser reavaliado, pois embora o sistema de círculos uninominais favoreça o aparecimento dos vendedores de ilusões e da demagogia, parece-me sinceramente que ainda assim as vantagens superam as desvantagens.

Parece-me também óbvio, que muitos daqueles que sistematicamente não tem votado nas mais distintas eleições por essa Europa fora, querem conscientemente mandar uma mensagem a quem decide os seus destinos. Exemplo disso mesmo foi o caso da região espanhola da Catalunha, onde a afluência às urnas subiu em dez pontos percentuais em comparação com a anterior edição das mesmas eleições, o que acabou por dar a vitória ao partido independentista catalão ERC (Esquerda Republicana Catalã). Ou seja, quando o povo realmente acredita que pode pelo menos ajudar a decidir algo (neste caso, a independência da região da Catalunha), vai às urnas.

O risco que paira ao manter tudo na mesma, e disso é demostrativo não só o nível de abstencionismo mas também os grandes resultados de partidos e movimentos de extrema direita e extrema esquerda, é o de uma quebra total de confiança por parte das sociedades nas instituições que leve à ruptura com o actual paradigma. O que pode não ser necessariamente bom.

henrique_dores_logoCrónica de Henrique Dores
Teoria do Caos