Valter Hugo Mãe – qual é o problema?

Lá vamos nós outra vez. A seguir aos pais graxistas, que levam prendas para a senhora professora no Natal, Pascoa e final do ano lectivo e, depois dos pais ricos, que têm a mania que são superiores aos outros, e que as suas crias são melhores que os outros alunos só porque tem mais papel na carteira, os pais armados em pudicos são os meus preferidos.

Valter Hugo Mãe, escritor português, com varias obras publicadas e vencedor de prémios literários, escreveu em 2004 o seu primeiro romance intitulado ” O nosso reino”, que conta a história de uma criança de oito anos que presenciou todas as alterações, desde sexuais, religiosas e sociais motivadas pelo 25 de Abril.

Este livro foi recomendado pelo Plano Nacional de leitura, para o 3.º ciclo do ensino básico, que abrange 7.º, 8.º e 9.º ano, portanto, alunos com idades entre os 12 e os 15 anos. Até aqui, tudo bem, são centenas os livros recomendados pelo PNL, e se o são é porque são bons livros e bons auxiliadores no desempenho escolar e pessoal do aluno. De ressalvar que, esta recomendação foi feita para leitura fora do âmbito sala de aula, contextualizando, para ler nas ferias de Natal. Mas, ao que parece, alguns pais de alunos do 8.º ano, sublinho miúdos de 13 anos, de um Liceu em Lisboa, não acharam grande piada ao conteúdo do livro, proibindo inclusive a sua leitura.

Não li o livro, como pessoa curiosa que sou, fui pesquisar se havia razão para tanto alarido, e o excerto que transcrevo a seguir, foi o grande causador de mau estar entre pais virtuosos.

“É maricas, sabes, maricas não é de ter medo, esses são os medricas, maricas é querer meter coisas no cu. Estávamos sentado na margem do rio, num lugar seco e pedregoso que permitia que não nos sujássemos, e eu sorri nervoso, a espanar as calças como um rapaz bem comportado, e disse, estás a gozar, estás a inventar isso, és um parvo, mas a sua impiedade era tremenda, afastou-se um pouco de nós e preparou o seu veneno, e a tua tia sabes de que tem cara, de p***, sabes o que é, uma mulher tão porca que f*** com todos os homens e mesmo que tenha racha para f**** deixa que lhe ponham a pila no cu. Sem precisar, sabes, só porque é porca deixa que lhe ponham a pila no cu e até na boca.”

Afinal qual é o problema? Este não é apenas um pequeno paragrafo de um livro com um tema interessantíssimo e deveras histórico para os adolescentes? A mim, parece uma boa escolha. Qual é a justificação dos paizinhos? Frases de cariz sexual? Palavras demasiado fortes? Linguagem impropria? Acho muito insensato da parte dos pais proibirem os filhos de lerem um livro, seja ele qual for, um livro é sempre um livro, a leitura significa sempre aprendizagem. Os pais protestam por causa de um livro, mas deixam os putos com 13 anos terem facebook, deixam os putos estarem longas horas sozinhos nos quartos em frente ao computador, onde a informação via Internet pode ser positiva mas também tem muitos aspectos negativos, deixam os miúdos ver as novelas onde sexo, caricias e beijos são o prato do dia, deixam a chavalada assistir a  programas como o Secret Story e Jersey Shore, miúdas que lêem As Cinquenta sombras de Grey.

Palavras fortes são insultar alguém de filho-da-puta ou de cabrão, para mim, linguagem impropria é faltar ao respeito ou humilhar alguém, e isto, caros pais cheios de pudor, acontece diariamente nas escolas que os nossos filhos frequentam, isto sim, é alarmante e motivo de preocupação. Palavras como cu, pila, foder, racha são palavras comuns, palavras estas que, muito provavelmente, os vossos filhos já proferiram e sabem o seu significado. Miúdos com 13 anos não são propriamente crianças, são adolescentes com as hormonas já bem atestadas, esta geração é altamente estimulada, informada e bastante reciproca na informação que lhes é transmitida. Não julguem que colocar os vossos filhos em “redomas” vai torna-los mais capazes, não julguem que dizerem às vossas crianças que os bebês vem das cegonhas os vai preservar porque o efeito é exactamente o contrario. Quando era miúda, ouvia constantemente palavras de cariz sexual, éramos só mulheres a viver numa casa, portanto, o assunto era quase diário, a tal linguagem não me tornou obscena nem promiscua, tais palavras tornaram-me responsável, de tal forma que, quando senti que estava preparada para iniciar a minha vida sexual, fui sozinha à medica para uma consulta de contracepção, tinha 14 anos…há 17 anos atrás não havia mães receptivas, nem redes sociais, nem amigas com que pudéssemos abordar estes assuntos com ligeireza. Hoje há tudo isto e muito mais, infelizmente também existe a estupidez paternal, que proíbe um filho de ler um livro! As “redomas” não existem para miúdos com opinião própria.

Como disse o autor, Valter Hugo Mãe, em resposta ao circo que se instalou: “(…) Não me ocorre ter usado uma perversão tão grande que represente a morte do Pai Natal.”