Vendo apartamento em bom estado com 2 quartos, salão e … sala de chat

Flirtavam às escondidas na Internet, a pouco menos distância um do outro do que estava a Lua situada em relação ao planeta Terra. Ele em Lisboa, onde vivia na casa dos pais que o vira nascer há dezoito anos e ela, nascida uma ano antes, em Coimbra, numa residência universitária onde os pais pensavam que vivia a caminho de casa para as aulas. Eram ambos estudantes, mas ela, no segundo ano de um curso do Ensino Superior, partilhava o pequeno quarto com uma colega, numa casa onde viviam outras três raparigas, todas da mesma idade, todas estudantes universitárias, todas tão jovens e bonitas que, a basear-se unicamente na descrição física que ela lhe dera através do computador, o rapaz podia confundir-se e chegar a teclar com uma pensando que estava a fazê-lo com outra.

A única das raparigas da casa que lhe interessava, era conhecida por ser uma jovem do seu tempo que usava piercings e tatuagens indiscriminadamente no corpo, onde havia cada vez menos espaço para pôr as que ainda faltava até perfazer o número das que considerava ser justo para justificar o ataque de pânico que o pai teve ao ver a primeira que desenhou no ombro.

Com a parte da mesada recebida dos pais ao longo do ano, que amealhou resistindo à tentação de gastá-la para mudar de telemóvel ou de visual, que neste caso implicava alterar o guarda-roupa, incluindo sapatos e acessórios, adquiriu um computador portátil com mais ram’s de memória do que a sua. Era cor-de-rosa e cinza, com remate a dourado no logotipo da marca e começou a utilizá-lo para as mais variadas funções, quer como ferramenta de estudo por causa das páginas que pesquisava na Internet, quer para passar a limpo a matéria das aulas que, escrita à pressa nas sebentas, assumia o aspeto de uma equação matemática que jamais conseguiria solucionar. Podia igualmente usá-lo como agenda para anotar os compromissos a que não queria faltar ou lembrete para corrigir as falhas de memória que ficavam a dever-se ao esquecimento.

Um dia, estava tranquila em casa quando, de visita a um site de moda, que andava tão avançado no tempo que anunciava a roupa da próxima estação como se fosse a que toda a gente já deveria estar a usar, quando tropeçou na publicidade a um outro que, mediante registo prévio, visava promover encontros entre as pessoas de ambas dos sexos que almejavam encontrar a sua alma gémea. Ali, agrupadas por temas que pudessem interessar-lhes, as pessoas era direcionadas para salas de portas abertas à participação de cada uma, onde podiam falar com outras ao acaso de temas que não vinham à baila por acaso, quase sempre acerca da vida sexual que mantinham com o seu parceiro. Ninguém que se julgasse no seu perfeito juízo, se importava com questões secundárias, como por exemplo, saber o que pensava o seu interlocutor da situação económica em que se encontrava o país, que era traumática ainda no período pós-troika, sobretudo se se tratasse de alguém carente de cuja única crise que sabia falar era da que vivia presentemente junto da pessoa com quem era casada.

Naturalmente, os frequentadores destas salas de chat eram jovens ou, pelo menos, era o que prometiam ser todos aqueles que, tanto como os primeiros, nunca era suposto dizerem a verdade. No entanto, se é verdade que alguns deles, acocorados como uma fera preparada para saltar sobre a presa indefesa, à sombra de um de um falso nome que lhes dava uma aparência normal eram autênticos predadores sexuais, muitos havia que lá iam apenas para conversar ou conhecer alguém que lhes despertasse um sentimento mais nobre do que um mero instinto carnal. Era seguramente este, o caso dos dois estudantes que conhecemos, que mal se conheceram e trocaram as primeiras impressões, entenderam-se tão bem que era como se soubessem que era um do outro que falavam quando dantes diziam a familiares e amigos que um dia, da forma que menos esperassem, haveriam de conhecer a pessoa por quem se haviam de apaixonar perdidamente.

O rapaz era moreno e tinha os olhos castanhos, mas inicialmente a esse propósito mentiu dizendo que era louro e de olhos azuis, parecido com o ator australiano que no filme de Kenneth Branagh de 2011 interpretava o papel do lendário guerreiro Thor. No mesmo instante, decidiu mentir acerca da idade que tinha e assim em vez dos atuais dezoito disse que tinha quarenta e cinco anos, por achar que seria mais bem aceite por ela um elogio vindo de um homem que tinha idade para ser seu pai mas, contrariamente a ele, não a admoestava e até lhe gabava a ousadia de falar com estranhos através da Internet.

Quanto à rapariga, disse a verdade acerca da altura e do peso e não se importou de revelar que era estudante, mas só porque tinha o intuito de mentir se ele se revelasse curioso e lhe perguntasse pelas notas de final de período. Para se identificar, escolhera um “nick name” revelador daquilo em que se tornara nas duas últimas semanas, desde que tomara a louvável iniciativa de deixar de fumar, suprimindo, tão repentinamente como começara, um vício de que desfrutara durante dois anos tanto quanto era possível fazê-lo tendo de gerir um orçamento que lhe permitia comprar unicamente um maço de cigarros por semana: a Stressada, um nome que era tão revelador da sua personalidade explosiva, como seria no caso de não saber a resposta à pergunta mais difícil do teste, a dica que lhe desse à socapa dos colegas a professora da disciplina de Língua e Literaturas Modernas, de quem se tornara tão amiga que não queria voltar a tê-la como aluna no próximo ano letivo.

Entabularam conversa à volta dos livros … dos mesmos livros de que nunca se aproximaram mais do que à distância a que estavam de querer que os respetivos pares os descobrissem conversando intimamente. Ele, porque queria guardar segredo da namorada ciumenta que, à menor suspeição, fazia uma tempestade num copo de água. Ela, porque desejava ocultar o novo amigo, do namorado amigo de infância a quem as cenas de ciúme dela eram como uma gota de água que na relação de ambos ameaçava fazer-lhe transbordar o pote da paciência.

Descobriram que gostavam os dois menos de literatura do que de ouvir música, que só tinha o condão de lhes estimular mais a imaginação no sentido em que cada um deles ansiava saber rapidamente de que género é que o outro mais gostava.

Frequentadora assídua dos festivais de Verão que proliferavam nos meses de férias de norte a sudoeste de Portugal Continental e Ilhas, a ela só interessava armar a tenda onde soubesse que não fazia falta porque, de natureza preguiçosa, detestava esforçar-se para fazer o que quer que fosse para ajudar os outros, preferindo chegar mais tarde mas com a certeza de já tudo estar feito.

Quanto a ele, admirador confesso dos ritmos de cariz urbano, nas malhas do Hip-hop sentia-se como peixe na água. Nos tempos livres, era letrista e compunha letras de canções que adaptava a músicas antigas que era, segundo ele, a única forma de torná-las atuais. Integrava há uns anos uma formação de oito elementos de dança jazz que andava a tentar apresentar-se ao grande público num desses programas de televisão que têm um jeito especial para revelar jovens com talento, mas não como podem aproveitá-lo, para quando saírem dali começarem uma carreira de sucesso na televisão ou no teatro. Ultimamente, praticamente só tinha tempo para ensaiar nos intervalos, cada vez mais curtos, que decorriam entre as aulas e o tempo que dedicava a estar com a namorada a teclar na Internet.

Em pouco tempo, para não perderem pitada ao que faziam fora de casa, ambos combinaram trocar os números de telemóvel e assim, passando a dispor de um meio permanente de comunicação, mais depressa do que se estivessem ligados à rede a uma velocidade de dez mil gigas, perceberam que já não podiam passar um sem o outro porque se estavam a apaixonar, tão intensamente que, em comparação com os anteriores relacionamentos, admitiram nunca terem na verdade amado os seus parceiros.

E assim, nos assentos das salas de aula ou nos dos transportes públicos, meio em que se faziam deslocar, qualquer lugar servia para mandarem um ao outro mensagens ilustradas com corações e declarações de amor, como se aquilo que queriam dizer se lhes gravasse melhor na memória se ficasse escrito em vez de ser transmitido por via oral. Era por esse motivo que raramente falavam. Conheciam-se já tão bem ao fim de umas semanas, que ficava sem piada o que um ia dizer se, pelo tom de voz que empregasse no início da frase, o outro adivinhasse como é que ela ia acabar. Mais ainda, se se encontrassem pessoalmente, pois uma simples troca de olhares entre eles podia fazer com que, além de adivinharem o que iam dizer, pudessem ler o que estavam a pensar.

Passaram dois, três, quatro meses e desse amor que lhes custava cada vez mais manter em segredo, o único sinal passado para o exterior era o brilho que irradiava aos olhos de quem os visse pregados na frente do computador, a sorrirem como se estivessem a ver-se ao espelho pela manhã.

Talvez um dia se enchessem da coragem que lhes faltava para dar o pequeno passo que os separava de um final feliz e resolvessem encontrar-se para comprovar que se pode a distância tornar maior o amor, também este, se for autêntico, pode encurtar qualquer distância.